Quem siga o debate político e acompanhe a Comunicação Social de referência, dificilmente encontra alusões à evidência de que navegamos no olho de um furacão, no centro de uma tempestade perfeita. Onde se entrecruzam as fragilidades do regime, o acumular de políticas criminosas, uma crise financeira exógena e determinantes transformações geoeconómicas. A algraviada de recados políticos que alimentam as manchetes dos jornais e abertura dos telejornais encobrem a crua realidade que vivemos: o fim de uma Era, de uma “construção” socioeconómica insustentável. Um aborrecido detalhe, cujo capítulo seguinte ninguém verdadeiramente quer saber, por respeito aos senadores e arquitectos de tão esplendorosa obra. É nesta ébria cegueira, em que os actores se recusam olhar para lá da espuma dos dias, entretidos que estão a discutir contas de mercearia, quem é o mais amigo do crescimento económico, do Estado Social, o mais socialista ou menos liberal, ou se será afinal o messias Hollande que nos vai salvar de Merkel e dos seus enfadonhos alemães.
Por pior que seja a sua arquitectura, qualquer regime se aguenta enquanto é regado pelo dinheiro. E quando a torneira se fecha? Com o diagnóstico feito há muitos anos, nem a centímetros do precipício o sistema mostra vontade de se regenerar. Se os partidos se desligaram das comunidades em detrimento da plutocracia que os alimenta, se os deputados não representam os eleitores, se o sistema semipresidencialista se revela uma manhosa irrelevância política, se a economia não gera riqueza que pague os descomunais custos do Estado, o que é que deveria ocupar as mentes brilhantes das nossas elites? A sua preocupação é a de sobreviver mais um dia e mais outro, um de cada vez, do estatuto e privilégios conquistados, que hipotecaram irremediavelmente as gerações vindouras. O que nos une hoje é a camarata de terceira classe do navio chamado Europa que mete água por todos os lados. Anestesiados pelas vagas alterosas, aos portugueses de pouco serve ou consola o mal dos vizinhos. É que, fiéis à nossa tradição ultraconservadora de nada mudar até tudo cair putrefacto, à trágica incapacidade de nos regenerarmos por nós mesmos, mesmo na evidência da catástrofe, corremos o sério risco de sermos o primeiro lastro a ir borda fora. E assim nos afundamos enroscados como lapas aos nossos "pais". Ao pai da Revolução, do Serviço Nacional de Saúde, da Constituição, do Socialismo, e de tantas outras ressequidas vacas sagradas.
Tem razão o João Ferreira do Amaral quando conclui, que Portugal não precisa de um chefe de Estado que assuma o propósito de fazer difícil a vida ao governo. E tem também razão o Pedro Adão e Silva quando lamenta a fragilidade política do presidente da república. Mas estas conclusões, ao invés de deverem inspirar o desejo de mudar quase nada, deviam guindar-nos para uma discussão mais profunda, mais substancial e, por isso, mais importante: a questão do regime. Nós podemos ir buscar às experiências estrangeiras as receitas para os nossos males. Sempre fomos mais atreitos a aceitar imposições externas do que seguir uma disciplina interna, mas não seria melhor olharmos para nós mesmos, para a nossa experiência política, para as nossas instituições históricas e procurar nelas essa inspiração? Que sentido fará eleger, por sufrágio directo e universal, o chefe de Estado, que assim carrega uma legitimidade em tudo idêntica à de outros órgãos de soberania? Não faria mais sentido que o chefe de Estado estivesse revestido de uma legitimidade diferente e historicamente qualificada? Não seria preferível termos um Chefe de Estado independente e que fosse, a cada passo, mais do que ele próprio? Que fosse ao mesmo tempo, ele e todos os que o antecederam? É que muito mais importante do que o poder - necessariamente sempre limitado- é a autoridade. E a autoridade do Rei é dos mais preciosos activos políticos.
Chegaram e já se instalaram os que de fora vêm impor a receita que nos garantiam não ser necessária. Como é sabido e tem sido repetido até à exaustão, iremos viver tempos de grande dificuldade. Claro que quem nos pôs nesta miserenta situação, uma trupe de sucessivos irresponsáveis habituados a gerir à tripa forra recursos que não são seus, ao sabor dos ciclos eleitorais e das conjunturas, muito provavelmente, não sentirá remorsos nem um pingo de vergonha. Que não têm vergonha já se sabe. Que não nos respeitam também não se duvida. Mas não reside nisto o nosso problema. O grave é não nos darmos nós ao respeito.
Se estivermos minimamente atentos ao que se vai publicando lá fora sobre Portugal e sobre a sua triste situação, percebemos não ser muito abonatória a ideia que têm de nós e da capacidade de nos regermos. E, na verdade, percebe-se. Chauvinismos à parte, não é muito difícil de compreender o desconforto de quem, não tendo qualquer responsabilidades no nosso despautério, nem sequer uma vaga culpa in eligendo, vai pagar as pantominices desta caduca república.
O cenário em que hoje nos vemos é fruto de uma laboriosa prodigalidade de aventureiros e mentirosos que não se limitam a pôr em causa os nossos já magros cabedais. Com manifesta e recalcitrante ineptidão, ferem de morte a nossa credibilidade externa, a nossa compostura internacional e a honra com que nos apresentávamos no teatro das nações.
O medo que devotamos às chamadas ditaduras nacionais não é suficiente para que rechacemos aquelas que nos vêm do exterior. Claro que agora é tarde. Não pode corrigir-se o tiro que foi já desferido, mas deve a experiência do erro anterior ajudar a preparar o próximo disparo.
Não será tarde porém para nos convencermos de que todas as crises em que constantemente tropeçamos, umas mais económicas, outras mais financeiras, mas todas, sempre, políticas, são afinal emanação de valores pífios, transitórios e, as mais das vezes, contraditórios. Não será tarde, como digo. Mas não temos mais tempo. Se não tomarmos colectivamente uma atitude, se continuarmos ronceiramente a adiar a restauração dos nossos valores tradicionais, acontecerá connosco o que sucede com o nosso serviço de saúde. Ou vêm médicos estrangeiros salvar-nos ou morremos sentados numa cadeira de pau à espera de uma consulta.
Portugal está em plena crise política, com a demissão do Governo do Partido Socialista, que se soma à profunda crise financeira, a pior em cem anos de regime republicano. Joga-se, nestes tempos de enormes sacrifícios para o nosso povo, o futuro próximo e o das novas gerações, já hoje vítimas de falta de horizontes profissionais e de realização pessoal e que, daqui a não muitos anos, terão de arcar com as consequências, financeiras, mas não só, dos erros governativos acumulados, pelo menos, desde os anos oitenta do século passado e de entre eles a errada aplicação dos fundos comunitários, após a adesão à então CEE; a errada perspectiva de desenvolvimento, com base numa visão irrealista do “enriquecimento” do País por via desses muitos milhões comunitários; a incapacidade dos governos face à crise internacional que se abateu sobre EUA e depois se repercutiu na Europa e a total falta de sentido da realidade das medidas para a minorar, na já frágil economia nacional, com endividamento excessivo e políticas megalómanas, que provocaram em poucos anos o empobrecimento dos portugueses, pelo desemprego assustador, pelos cortes salariais, pelo aumento dos impostos, pelo endividamento de muitas famílias.
Mais do que uma crise financeira e económica, a crise que atravessamos é uma crise de ética: na vida política, onde a regra geral é a mentira, a dissimulação, o compadrio, a fraude, a corrupção, a anteposição dos interesses particulares e de grupo ao interesse nacional e da sociedade; na condução das instituições privadas, nas empresas e nas relações laborais; na vida das pessoas e nas suas relações sociais.
Nada faz prever que a realização de eleições legislativas antecipadas (as sétimas em 37 anos de sistema democrático, o que é já de si anormal) venha resolver, a breve, a médio e a longo prazo, a crise em que estamos mergulhados. Porque não se trata só de mudar um chefe de governo e um partido por outros ou políticas erradas por outras menos erradas. A mentalidade e os princípios que subjazem à arquitectura das instituições políticas do regime e dos homens e mulheres que as servem mantêm-se inalterados.
Só uma profunda mudança na maneira de ser e estar e de servir Portugal e os portugueses, pode restituir-nos uma dignidade nacional enxovalhada e dar-nos esperança de um futuro melhor para Portugal. Essa mudança passa pela restituição ao País do seu chefe natural, que será fonte de estabilidade política, de independência, de amor à Pátria, de defesa da democracia, de ética e de confiança nas instituições e no futuro da Nação de que todos fazemos parte.
João Mattos e Silva, In Correio Real nº 5 (Editorial) Maio 2011
Para aqueles que de forma sobranceira me perguntam quais as motivações para esta minha teimosa militância pela monarquia, que aspirações me movem para tão exótica causa, tão incómoda e excluída da “agenda politica”, eu respondo que o faço por uma questão de responsabilidade: a responsabilidade que me cabe para com a continuidade desta “utopia” no seu sentido mais nobre: o sonho dum Portugal com futuro.
Conheço alguns ilustres “compagnons de route” que optaram por “congelar” o seu ideal monárquico, imbuídos dum pseudo-realismo e embrenhados na espuma dos seus projectos pessoais, políticos ou profissionais. Tenho pena: eu sei como é difícil apregoar esta ingrata causa que não favorece carreiras ou comendas. Reconheço que a mensagem embate numa implacável “agenda mediática” que emerge do espectáculo popularucho e da mesquinha contenda política, das conveniências corporativas e interesses imediatos.
Não nego a evidência que hoje os grandes males de que Portugal padece são profundos e estão a montante da questão do regime. Como em 1910 as instituições estão descredibilizadas e não funcionam. Os portugueses, habituados ao assistencialismo e pouco atreitos a responsabilidades, parecem conformados com um medíocre destino, cuja perspectiva não passa do amanhã. E temos a merdização do debate político, com a gestão da rés pública ao nível do chão. Deste modo e dentro das minhas limitações, não prescindo de intervir de dentro do sistema em favor da minha comunidade e pelo futuro do meu país, com a liberdade que esta república me proporciona. Mas não me passa pela cabeça hipotecar as minhas mais profundas convicções.
Acredito profundamente na monarquia, na instituição real como a solução mais civilizada para a chefia dum Estado europeu e quase milenar como é o nosso. Num tempo de relativização moral, de fragmentação cultural e enfraquecimento das nacionalidades, creio mais que nunca na urgência duma sólida referência no topo da hierarquia do estado: o rei, corporização dum legado simbólico identitário nacional, garante dos equilíbrios políticos e reserva moral dum povo e dos seus ideais. O rei, primus inter pares, é verdadeiramente livre e por inerência assim será o povo.
Sou modesto: espalhar a doutrina e “fazer” mais monárquicos é o meu único objectivo. Que floresça nas mentalidades o sonho duma nação civilizada e de futuro, ciosa da sua identidade e descomplexada da sua História. De resto, o seu curso é sempre imprevisto e, quem sabe um dia, num instante tudo poderá mudar.
A Real Associação de Lisboa é uma estrutura regional integrante da Causa Real, o movimento monárquico de âmbito nacional. Esta é uma associação que visa a divulgação, promoção e defesa da monarquia e da Instituição Real corporizada na Coroa Portuguesa, cujos direitos dinásticos estão na pessoa do Senhor Dom Duarte, Duque de Bragança e em quem legitimamente lhe vier a suceder. Cabe a esta associação a prossecução de iniciativas e de projectos de interesse cultural, social, assistencial e de solidariedade que visem a dignificação, a valorização e o desenvolvimento dos seus associados e da comunidade em que se insere.