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BLOGUE REAL ASSOCIAÇÃO DE LISBOA

A suspensão da descrença

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O Rei é livre, já se gritou em Almacave. Que
se continue a viver num regime que promove
a ilusão de liberdade é algo que é nossa
responsabilidade combater e denunciar.

Existe uma espécie de contrato tácito que é pedido aos leitores de ficção literária ou espectadores de artes performativas como o cinema ou o teatro, por exemplo: é a suspensão da descrença. Ou seja: pelo tempo que durarem aqueles espectáculos ou aque­las páginas nós acreditamos que os personagens são reais, que vivem e acreditam o que exibem naquele momento. Mesmo o mais cínico dos cínicos não terá coragem de interromper uma peça para dizer que nada do que está em palco é verda­de e que os actores não são quem ali estão a dizer que são. É um acordo benéfico para as duas partes e que resulta quanto melhor essa descrença for consegui­da por quem escreve ou interpreta.

Se o leitor começa a estranhar o intróito inesperado, avanço já com a analogia: a eleição de um presidente da república portu­guesa – para ficarmos pelo que nos é próximo e nos interessa - vive também da suspensão da descrença. Expliquemos: o ar­tigo 122 da nossa Constituição declara que como condição de elegibilidade o candidato deva ser cidadão português e com idade igual ou superior a 35 anos, desde que não possua impedimentos legais para isso. O que está implí­cito neste artigo é a possibilidade de qualquer cidadão português que reúna as condições descritas poder chegar ao cargo de chefe de Estado. Primeira suspensão da descrença: a possibilida­de está lá e é bom que exista e que se a possa garantir; mas a probabilidade de facto de um qualquer cidadão anónimo chegar ao cargo de chefe de Estado é reduzidíssima, mesmo que para isso te­nha conseguido reunir as 7.500 assina­turas de eleitores que a lei prevê como número mínimo. A eleição presidencial pede sempre uma máquina eleitoral cara; são de facto os partidos políti­cos que, ao apoiarem determinado cidadão, oferecem as condições ne­cessárias para a sua candidatura, por mais apoios privados ou fortuna pessoal que o candidato possua. O que naturalmente torna o candidato ao cargo mais elevado do país refém de ideologias e eleitorados de quem o apoiou. O que nos leva à segunda falácia, utilizada indistintamente por todos os presidentes eleitos em democracia após terem vencido as eleições: “Sou e serei o presidente de todos os portugueses”. Embora para efeitos legais e práticos isso passe a ser verdade durante o mandato, o presidente é dos portugueses que o elegeram. Os outros – os que votaram noutro candidato ou se abstiveram – ou não se revêm no chefe de Estado ou pouco lhes importa.

Quem quiser acreditar que o cargo de chefe de Estado no sistema presidencial é acessível a qual­quer um e que depois de eleito passa a ser uma figura transversal e amada e respeitada por todos está em plena suspensão da des­crença. Se quisermos uma das grandes vantagens das monarquias podemos come­çar por aqui mesmo: o Rei é uma figura perene, preparada e conhecida por todos para assumir o seu papel. Assim como é conhecido quem o sucede. Mais importante ainda - e natural­mente refiro-me sempre às monarquias constitucio­nais – o Rei é independente, suprapartidário e supra­-ideológico, limitado apenas pela lei fundamental do seu país aprovada que define o seu papel e poder na vida pública e política.

O primeiro presidente e a origem do semipresidencialismo

A história do sistema presidencial português é longa e por vezes sinuosa. Logo depois da Revolução Republicana, o primeiro presidente da autoproclamada Repúbli­ca Portuguesa - Manuel de Arriaga – foi eleito co­legialmente pela recém­-formada Assembleia Nacional Constituinte – que por sua vez foi eleita por sufrágio directo (mas não universal) e em apenas metade dos círculos elei­torais. Como em determinadas circuns­crições havia mais lugares por preencher do que candidatos, os vencedores eram proclamados eleitos sem votação… Para além de ter aumentado a incapacidade eleitoral dos cidadãos em relação ao que havia em monarquia, a república rejeitou o sufrágio universal interditando o voto às mulheres, analfabetos e uma parte dos mi­litares. Sidónio Pais ainda tentou, em 1918, devolver o voto aos cidadãos mascu­linos com idade acima dos 21 anos. Mas a história foi a que se soube e as inca­pacidades repostas no ano seguinte. Coisas da ética republicana.

A Revolução de Maio de 1926 e o Estado Novo a que veio dar lugar relegou a escolha do chefe de Estado a uma farsa que esvaziou do cargo toda a réstia possível de dignidade, com eleições mani­puladas e com os candi­datos que se opunham ao regime a serem perseguidos ou ameaçados.

Com o advento da demo­cracia, e depois de passadas as tribulações que todas as revoluções trazem agarradas, o general Ramalho Eanes tor­na-se o primeiro presidente a ser eleito em sufrágio directo e universal em 1976 e já sob a nova constituição aprovada uns meses antes. Eanes inaugura também o sistema semipresidencial portu­guês, ainda hoje em vigor.

É um híbrido político estranho, este sistema. O seu embrião terá surgido na República de Weimar ale­mã (1919-1933). Um sistema praticamente forçado pelas potências aliadas que tinham vencido a Alema­nha na I Grande Guerra, em que os políticos eram dependendo das diferentes concepções adoptadas.

No semipresidencialismo o chefe de Estado tem poderes executivos, como o de voto ou o da disso­lução da Assembleia da República – o que pode ser uma maneira de contornar a impossibilidade directa de demitir o governo.

Portugal partilha o chamado sistema premier-prési­dent com vários países, desde a França ao Madagáscar passando pelo Burkina-Faso. Não está consagrado em nenhum artigo constitucional. O sistema não está explicitado e é justificado pela prática política. Assim como a divisão de poderes. Extraordinário, quando existe uma alínea, a b), do artigo 288º da Constitui­ção portuguesa) sobre a revisão constitucional que apenas admite de forma clara os limites materiais da revisão da constituição se for respeitada a natu­reza específica do regime republicano. Mas isso já os monárquicos sabem há muito e contra isso lutam há muito tempo.

As debilidades deste tipo de regime são óbvias e têm-se feito sentir por vezes de forma clara e tensa. A instabilidade política que advém de uma situação de coabitação – que acontece quando o chefe de Es­tado é eleito com o apoio de forças políticas adver­sárias das que formam o executivo – é recorrente na história da democracia portuguesa. Recorde-se os casos de Eanes com Soares e do presidente Soares com Cavaco Silva, para não ser exaustivo. O sistema semipresidencial reforça a fragilidade que é ter um chefe de Estado refém de ideologias e outros interesses partidários ou não. Mais uma vez, a ideia do mero árbitro ou moderador é uma suspensão da descrença. Como muitas vezes pode acontecer que seja o próprio governo a pres­sionar o chefe de Estado para aprovar determinados pontos fracturantes da agenda que defende.

Não sendo republicano, estranho este sistema fa­laciosamente montado para garantir um equilíbrio e cooperação entre órgãos de soberania. Está viciado à partida pelo facto aqui reiterado e nada despiciendo da falsa independência do chefe de Estado.

Só o Rei consegue garantir a estabilidade e a real distância dos interesses partidários e outros que cercam todos os presidentes da república. O Rei é livre, já se gritou em Almacave. Que se continue a viver num regime que promove a ilusão de liberda­de é algo que é nossa responsabilidade combater e denunciar.

Nuno Miguel Guedes
publicado originalmente no  Correio Real nº 22

Uma disputa singular ou 70% de coisa nenhuma

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Os três milhões quatrocentos e cinquenta e nove mil quinhentos e vinte e um portugueses que deram o seu voto a Mário Soares no dia 13 de Janeiro de 1991 estavam, decerto, longe de imaginar que o seu gesto cívico e a percentagem que dele resultou (70,35%) passariam a constituir a fasquia que assombra e motiva os candidatos a presidir-nos.

Na verdade, diversas fontes assinalam que o actual Presidente da República tem o propósito, quase a obsessão, de obter um resultado superior nas eleições para um segundo mandato. Este desejo, acompanhado da máxima cautela para não alienar eleitorado, vem sendo recorrentemente mencionado de cada vez que aquele é confrontado com a necessidade de tomar decisões difíceis e, sobretudo, sempre que evita tomá-las.

Há quase unanimidade quanto ao facto de o Professor Marcelo Rebelo de Sousa pretender ficar para a história como o Presidente da terceira versão desta triste República que teve mais votos ou percentagem deles. Fraco consolo para quem esperava dele outra firmeza. E mau remédio para quem procurou encontrar em Belém o substituto de um monarca.

Dito de outra forma, uma das principais preocupações deste Presidente da República e que, pelos vistos, condiciona amplamente o exercício do seu mandato, é a comparação com o resultado eleitoral de um seu antecessor há vinte e nove anos. Esta circunstância, no mínimo inquietante, demonstra com limpidez invulgar as diferenças profundas entre as formas de governo monárquico e republicano.

Não, o Presidente da República não é um Rei. Se o fosse, não se compararia com momentos fugazes ou com resultados circunstanciais e não se deixaria tolher por eles. Olharia mais longe e buscaria mais fundo. Teria de o fazer.

Um Rei procura exemplos na História para aprender com eles e não para vencer os seus maiores numa fútil competição de popularidade. Um Rei não proclama afectos nem os exibe, exerce a autoridade que lhe advém de uma legitimidade única que lhe impõe que seja o primeiro. O primeiro no serviço. O primeiro na disponibilidade. O primeiro na dedicação. O primeiro a estar ao lado do seu povo em todas as circunstâncias, sobretudo nas piores. D. Pedro V fê-lo ao ponto da imolação. E D. Carlos I pagou com a própria vida o facto de não suportar a ideia de que o  povo pudesse julgar que ele o temia…

Um Rei não malbarata palavras, conhece o seu valor e procura usá-las com parcimónia e acerto sempre que as circunstâncias o exigem. Não precisa de frenesim comunicacional para mostrar que existe ou para influir na agenda política de cada semana. Exemplo flagrante disso mesmo, e que foi abundantemente reconhecido por monárquicos e não-monárquicos, foi a comunicação rigorosa, firme, oportuna e mobilizadora dirigida ao povo britânico pela Rainha Isabel II que, para nosso mal, contrastou tanto com a profusão de alocuções na qualidade disto e daquilo em que se ia transmutando o Presidente da República-cidadão-comentador-especialista em saúde pública.

Não, o Rei não fala enquanto Rei e depois enquanto outra coisa qualquer. Tem uma só voz e um só corpo que personificam um Estado num determinado momento histórico. Sabe que são a função e o seu exercício quem deve preponderar e que estes estão infinitamente acima da sua fraca, porque humana, circunstância pessoal.

Com o humor corrosivo que o caracterizava, Roger Scruton, de quem tenho tantas saudades, dizia: «a monarquia é o único sistema para nomear um chefe de Estado que oferece uma hipótese justa ao comum, ao não ambicioso, ao excêntrico e ao levemente insano - certamente uma característica bem-vinda numa época em que praticamente todas as repúblicas do mundo são chefiadas por alguma autoridade megalomaníaca hiperactiva determinada em deixar a sua marca na história.»

É melhor servir a quem só quer servir-nos que persistir em ser marcado pelos que tanto querem marcar-nos.

João Vacas in Correio Real nº 21

Show business

 

O apregoar desta campanha presidencial lembra-me a orquestra do Titanic freneticamente a tocar enquanto o navio abalroa na iminência do trágico naufrágio. No meio da aflição de alguns e da inconsciência de outros, os mais destacados passageiros da 1ª classe já acomodados nos salva-vidas, discutem de charuto na boca e conhaque na mão, se são contra ou a favor, se é justo ou injusto, o rombo que afunda o navio.

O diabo está nos detalhes

 

Tenho a suspeita que é o o facto do vencedor antecipado para um segundo mandato presidencial pela primeira vez em democracia não ser de esquerda esteja a gerar um fenómeno tão curioso quanto saudável: nunca tantas vozes “regimentais” como as de António Barreto, Sousa Tavares ou Ana Sá Lopes, entre muitos outros, puseram tão claramente em causa os poderes do Chefe de Estado ou a utilidade do regime da sua eleição directa. Discutamos então coisas sérias, mesmo que seja pelas piores razões.

 

Bom ano novo a todos, são os meus sinceros votos.

O tempo que não podíamos perder

É suposto que a política ajude a sociedade a desenvolver-se e melhorar. Ou, pelo menos, que não atrapalhe. Pois em Portugal não só temos uma classe política que é muito pior do que a sociedade que deveria representar, como há um sistema que impede a resolução dos seus problemas, e até os agrava, como está à vista com estas eleições presidenciais e o estúpido prazo de seis meses sem possibilidade de dissolução do Parlamento que elas impõem, num momento em que precisávamos de clarificação política como de pão para a boca.
Mesmo quem não é monárquico como eu, como, por exemplo, António Barreto ou Pedro Lomba, já aventaram a possibilidade de termos eleições indirectas para a presidência, tal como acontece em repúblicas europeias como a Alemanha ou Itália. Creio que nunca houve tanto descrédito neste regime republicano de chefia de Estado como agora, como o demonstram os debates. Uns dizem que vão fazer, mesmo sabendo que os seus poderes não dão para isso, outros, como Cavaco, dizem que não têm poderes, mas que mesmo assim devemos tornar a votar nele em nome da melhoria do País, quando ele não soube ou não pôde evitar o descalabro em que nos encontramos. Nenhum deles tem, como é evidente, capacidade de assumir a representação de “todos os portugueses” e tudo o que fazem (mesmo o “independente” Fernando Nobre, suspeito de “soarismo”) é analisado do ponto de vista da sua origem partidária. E, o que é mais espantoso, a maioria dos eleitores irá votar sem saber bem para quê, porque no fundo percebe que nenhum dos candidatos com hipóteses de ganhar vai resolver coisa nenhuma.
Quer isto dizer que algo vai mudar em Portugal? Claro que não, Cavaco vai ser reeleito, fará o mínimo do que se espera dele, nós continuaremos a considerar que este sistema de dupla legitimidade eleitoral (a do presidente e a do Parlamento), uma originalidade que quase mais ninguém tem no mundo, “funciona” e até que não é mau, tudo ficará na mesma, com os jornais entretidos com as relações entre Belém e São Bento. Seja por falta de qualidade intelectual seja por inércia, a nossa incapacidade em modificar aquilo que comprovadamente não dá certo tem muito a ver com o tristíssimo estado da centenária república portuguesa.

 

Duarte Calvão in Corta-fitas

A Real Associação de Lisboa é uma estrutura regional integrante da Causa Real, o movimento monárquico de âmbito nacional. Esta é uma associação que visa a divulgação, promoção e defesa da monarquia e da Instituição Real corporizada na Coroa Portuguesa, cujos direitos dinásticos estão na pessoa do Senhor Dom Duarte, Duque de Bragança e em quem legitimamente lhe vier a suceder. Cabe a esta associação a prossecução de iniciativas e de projectos de interesse cultural, social, assistencial e de solidariedade que visem a dignificação, a valorização e o desenvolvimento dos seus associados e da comunidade em que se insere.

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