Dom Duarte e os Portugueses da Ásia
Há precisamente quatro anos, a convite da Nova Portugalidade, SAR proferiu na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa uma importante conferência sobre A Dimensão Espiritual da Portugalidade. Conhecedor profundo dessa imensa Ásia polvilhada por marcas materiais da passagem dos portugueses, interessam-lhe, sobretudo, essas comunidades orgulhosas da sua identidade que da Índia à China, da Malásia e Tailândia a Timor, se reclamam herdeiras e continuadoras de uma cultura que desde o século XVI se edificou com os materiais portugueses e o substrato local de cada região.
A Ásia é rica em Portugalidades que, por esta ou aquela vicissitude da História, já não se expressam em português. No Bangladeche, vivem 400.000 luso-católicos. No Myanmar/Birmânia, estes luso-católicos são 450.000 e descendem de gloriosa tradição de portugueses, missionários ou de locais feitos portugueses pela persuasão do evangelizador, assim como de comerciantes e soldados ao serviço da nobre nação birmanesa. Não se expressam em português, mas a sua portugalidade profunda, frequentemente convicta e orgulhosa, é-nos revelada pelos seus nomes ainda indiscutivelmente portugueses.
Os exemplos desta verdade grandiosa estão por toda a Ásia. Malaca, por nós perdida em 1641, preserva ainda um bairro português - o Kampung Portugis - e um crioulo português, o Papiá Kristang. Na Índia, no Ceilão, no Bangladeche, na Birmânia, na China, na Tailândia ou em Timor, é-se português com uma intensidade que não pode deixar de chocar os portugueses europeus. Em 2017, espectáculo comovente: por ocasião da visita do Duque de Bragança, ruas cheias nos bairros católicos de Banguecoque, capital tailandesa, para receber o herdeiro dos reis de Portugal. Mar de faces distintamente mestiças - verdadeiras sínteses humanas entre a Europa e a Ásia - carregava bandeiras portuguesas e thai, assim como cartazes com os nomes de família. Ali poucos se expressariam no nosso idioma, mas todos eram "de Horta", "Rodrigues", "Saldanha" e "da Cruz". Todos eram portugueses e aquele homem europeu vindo do outro canto do mundo era o descendente dos Reis que haviam assumido o oneroso privilégio de garantir o Padroado Português.
Quase abandonadas por Portugal à sua sorte, as comunidades luso-asiáticas contam consigo e mais ninguém para a defesa da sua cultura. Criaram, com delegados de todas as partes do continente, um Congress of Asian Portuguese Communities, organização presidida por Xanana Gusmão. Se em Portugal abundam aqueles que duvidam da portugalidade destas comunidades, as próprias respondem com vibrantes manifestações de portuguesismo: embora sofrendo o desinteresse de Lisboa e a inconsciência da maioria dos cidadãos do moderno Estado português, luso-malaios, macaenses, timorenses, bangla-portugueses, luso-tailandeses, luso-cambojanos, luso-indonésios, luso-cingaleses e indo-portugueses são, sentem-se e afirmam-se portugueses. Tanto o são, tanto o sentem e tanto o afirmam que a si mesmos se chamam Portuguese.
SAR será, talvez, o português que mais os visita, incentiva, procura ajudar, dialoga com as autoridades locais e sugere, aconselha e ouve. Verdadeiro embaixador de uma ideia grande de Portugal, não só é objecto de grande adesão emocional dos portugueses da Ásia, como recebe dos governos dos estados expressivas demonstrações de estima e respeito como as tributadas a chefes de Estado. Portugal, infelizmente tão alheado do mundo, reduzido física e mentalmente às fronteiras do século XV, não sabe o quão deve à teimosa insistência do Duque de Bragança em manter aberta a rota do Oriente, num tempo de viragem histórica em que o centro do mundo se desloca inapelavelmente do Atlântico para o Índico e para o Pacífico. Quando um dia se fizer a história da presença e luta pela sobrevivência do nome de Portugal nestas décadas iniciais do século XXI, um nome será lembrado com respeito e saudade: o de SAR, o Senhor Dom Duarte, Príncipe da Portugalidade.
Miguel Castelo Branco
publicado originalmente no Correio Real nº 22