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BLOGUE REAL ASSOCIAÇÃO DE LISBOA

Contra o processo de apagamento da identidade portuguesa em curso

 

 

 

Recentemente, veio-me à memória uma aula de 2008 em que um conhecido professor da nossa praça dizia que as crises de identidade são características de nações com hiper-identidade. Estamos sempre a falar da nossa identidade precisamente por termos identidade a mais. A nossa longa História nacional tem um peso enorme sobre os nossos ombros, hoje obrigados ao temor reverencial troikista. O nosso passado é de uma grandeza que nos faz sentir como pigmeus, muitas vezes deixando-nos sem saber como lidar com ele. Daí o nosso eterno retorno mental e retórico às épocas áureas do domínio português sobre mares de todo o mundo. Daí a nossa servidão voluntária quando nos pretendem impor ideias que são simplesmente páginas novas no processo de apagamento da identidade portuguesa em curso. Vem isto a propósito de dois ataques do rolo unidimensionalizador do estado, que encontra quase sempre, infelizmente, uma enorme passividade da sociedade portuguesa em relação aos ataques por ele prosseguidos.

Em primeiro lugar, o mal afamado Acordo Ortográfico. Não pretendo estender-me numa análise do género da que muitos têm feito, e bem, sobre as incoerências linguísticas do próprio acordo ou os errados critérios e interesses que o norteiam, como Pedro Mexia salientou num excelente artigo publicado no Expresso de 14 de Janeiro de 2012. E não o pretendo fazer porque, antes de mais, fazê-lo é aceitar a existência do próprio acordo. É aceitar que o estado é dono da língua. É aceitar que, sem que ninguém lhe tenha conferido esse mandato, o estado se pode arrogar a possibilidade de fazer o que quer com a língua. No caso em apreço, é aceitar que o estado pode convocar um grupo de alegados iluminados e permitir-lhes redesenhar a língua de milhões de pessoas a seu bel-prazer. Escapa a estes iluminados, provavelmente herdeiros da filosofia cartesiana que incorre no racionalismo construtivista – um ignóbil produto da modernidade que inspirou totalitarismos assentes no princípio de que é possível desenhar ou redesenhar uma sociedade complexa a partir de cima, ou seja, do aparelho estatal – uma coisa tão simples quanto isto: a língua é uma das instituições humanas originada e desenvolvida espontaneamente, i.e., através da interacção de milhões de indivíduos ao longo do tempo. A língua originou-se através da natural evolução humana e é por via das interacções que se registam numa comunidade ou sociedade que se vai modificando, de forma lenta, gradual e sem coerção estatal. A língua não é produto nem pode ser apropriada por um aparelho cuja fundação é posterior ao momento de origem da língua da sociedade de onde aquele emana. Sinto-me ultrajado com este acordo e pela violentíssima forma como o estado tem avançado para o impor. Raras vezes tenho sentido uma revolta tão grande, uma revolta que cada vez mais me custa calar e que é, com toda a certeza, partilhada por milhões dos meus compatriotas. É difícil, mas não impossível, resistir ao rolo unidimensionalizador da única instituição que detém o monopólio da força legítima. Mas não resistir é aceitar a coação estatal num domínio que é nosso, dos indivíduos e da sociedade, dos portugueses, não do estado. E é por isto que sou terminantemente contra a existência de qualquer acordo ortográfico. Este ou outros (e sim, sei que se fizeram vários ao longo do século XX e sempre por razões políticas). Não discuto os critérios do acordo porque, por uma questão de princípio, este nem sequer deveria existir.


Em segundo lugar, como não poderia deixar de ser, quero referir-me à recentemente anunciada extinção da celebração do dia da Restauração da Independência. Também este assunto pairou no debate público português ao longo dos últimos meses, não faltando quem sugerisse quais os feriados que deveriam acabar. Ora, mais uma vez, isto prefigura uma situação inaceitável. Conforme salientou João César das Neves no Diário de Notícias de 7 de Novembro de 2011, num artigo muito oportunamente intitulado “Os limites da política”, «O Governo não é dono disto». Não compete ao governo, ou pelo menos não deveríamos deixar que lhe competisse, dispor como bem entender de celebrações que pertencem ao domínio da sociedade, que são reflexo dos mitos com que inventámos a nossa nação. Mas já que o está a fazer, então a referida extinção torna-se ainda mais escabrosa quando pensamos que o 5 de Outubro de 1910 continua a ser celebrado. Se nos recordarmos que a fundação do actual regime já é celebrada a 25 de Abril, torna-se ofensivo e acintoso. Ademais, perante mais esta ofensa à nossa identidade, permite-nos perguntar porque não mudar a celebração do Dia de Portugal de 10 de Junho para o Dia da Restauração da Independência, sendo o 1º de Dezembro uma data fundamental na construção do estado moderno em Portugal? Ou será que os pruridos que assistem a alguns iberistas e à laboriosamente ofendida Câmara de Comércio espanhola e aos seus bem pagos delegados empresariais portugueses não o permitem? Em tom provocador, gostaríamos de saber se em Buenos Aires também se exige aos argentinos a liquidação do feriado do 25 de Maio, essa tremenda “ofensa aos espanhóis que dão trabalho” a tantos cidadãos daquele país sul-americano? Melhor ainda, e que tal mudar o mesmo Dia de Portugal para 1 de Dezembro, mas em vez de meia dúzia dos donos do poder celebrarem em frente da Câmara Municipal de Lisboa a Implantação do regime que criou as condições para 48 anos de ditadura, passávamos todos a celebrar o 5 de Outubro de 1143, data da assinatura do Tratado de Zamora e, consequentemente, da fundação de Portugal? Aliás, devemos ser o único país do mundo com a originalidade de não celebrar a sua Independência. O que se torna simplesmente ridículo perante a nossa enorme e longa História.

Tudo isto porque, relembrando Jacques Le Goff, sabemos que é na memória que cresce a história, e um povo sem memória é um povo sem futuro, pelo que importa não esquecer a nossa tradição e salientar, de acordo com José Adelino Maltez no seu recente Abecedário Simbiótico, que «Ser pela tradição é saber recuar, em pensamento e em entusiasmo, para, aprofundando o presente, dar raízes ao futuro, e melhor se poder avançar (…).» Com saudades de futuro, neste nosso Portugal por cumprir, há que continuar a ser livre, isto é, a dizer não, porque a essência do homem livre é ser do contra – não renunciando, antes pelo contrário, à participação cívica. Como assinalou Camus, a revolta surge do espectáculo do irracional a par com uma condição injusta e incompreensível. Perante os ataques desferidos, muitos continuam a não compreender Fernando Pessoa quando este nos diz que «O Estado está acima do cidadão, mas o Homem está acima do Estado». Compete-nos fazer os possíveis e impossíveis para acabar com esta violência sobre todos nós.


Samuel de Paiva Pires in Diário Digital (23-Jan-2012) 

 

Um 5 de Outubro Diferente

 

Tratado de Zamora

 

 

Um país não vive do seu passado. Mas tem que manter viva a sua memória. Porque se é verdade que a História não se repete, é verdade também que determinadas situações, determinadas decisões, determinados actos, devem servir de fonte de reflexão para quem constrói o presente pensando no futuro. E esse presente e esse futuro somos nós que o construímos a cada momento, através das instituições e das pessoas que escolhemos para em nosso nome exercerem o poder político.

Não só de grandes feitos, de grandes vitórias, de grandes avanços civilizacionais, de grandes homens e mulheres é feita a História de um povo. Também de derrotas, de retrocessos, de erros, de fracassos e de pessoas que marcaram negativamente os vários passos na caminhada colectiva. Mas é importante, diria mesmo imprescindível, recordar e assinalar os momentos altos, os momentos fundamentais do nosso património comum. Sobretudo daqueles que nos unem como povo e como Nação multicentenária.

Portugal é um dos países – talvez porque nasceu há quase novecentos anos – que não comemora, porque não recorda, a sua fundação. O seu dia nacional não é o da sua fundação como Estado independente, mas o dia em que um poeta maior que exaltou a Pátria morreu, nas vésperas da perda da independência. Uma “invenção” da república nascente, onde se não poderia e quereria evidenciar qualquer acto que tivesse no rei o seu actor. Países mais recentes como os Estados Unidos da América ou o Brasil, têm no dia da independência o seu dia maior. Porque valorizam o momento histórico em que, como povo, puderam tomar o destino nas suas próprias mãos.

Os dias em que, por decisão da República, festejamos momentos nacionais de exaltação e de memória são, para além do dia de Portugal, que também já foi de Camões, da Raça e agora é das Comunidades Portuguesas o 1º de Dezembro, durante a Monarquia o principal feriado cívico, que não tem sequer comemorações a nível nacional e se fica por cerimónias oficiais em Lisboa, duas datas que recordam a divisão dos portugueses em vencedores e vencidos: a implantação da República e o 25 de Abril. A fundação de Portugal não mereceu do poder político o menor entusiasmo patriótico.

Num momento histórico em que Portugal se debate com uma crise económica e social muito grave, em que muitos portugueses se vêem constrangidos a trocar o país por outros onde as suas justas expectativas de realização pessoal, ou tão só de sobrevivência com dignidade, sejam possíveis, onde a descrença, o abatimento, a revolta contra as instituições e os governos dominam o dia-a-dia, é fundamental comemorar o acto que nos uniu como povo e como Estado soberano, o momento em que Portugal nasceu, o acto que nos projectou no futuro como Nação independente.

Por isso os portugueses monárquicos vão recordar e enaltecer o dia em que pelo Tratado de Zamora, em 1143, o rei de Castela reconheceu a nossa independência, homenageando o rei que obteve pelas armas esse reconhecimento, Dom Afonso Henriques. Em Coimbra, no panteão nacional da Igreja de Santa Cruz, no dia 5 de Outubro. Um dia que será diferente porque recorda e evidencia o que nos une e não os que nos divide.



João Mattos e Silva in Diário Digital (19-Set-2011) 

A república em 1910 e as restrições ao culto religioso *

Com o 5 de Outubro de 1910 inicia-se um período de violenta perseguição religiosa em Portugal. A Igreja vive por esses dias um período de semi-clandestinidade durante o qual diversos membros do clero foram sujeitos à prisão, a maus tratos e à morte.
A seguir transcrevermos uma curiosa carta (reproduzida na imagem) escrita por Maria Júlia Carvalho Prostes pela altura das festas natalícias à sua filha:
 
Mª querida Maria Thereza, Lisboa, 31-12-1910
Obrigada pelas tuas boas-festas, desejamos eu mtº do coração a ti, teu Marido, Sogra e Cunhada, as maiores felicidades, e o anno nôvo mtº prospero. Aqui houve algumas Missas da meia noute, entre ellas S. Luiz, onde a Mª das Dôres foi com as Mendonças sendo por bilhetes e à porta fechada. Eu, como havia difficuldade nos bilhetes, fiz como costumo aos Sábados, jantei em casa Mª Archangela, e ali passei a noute. (...)
 
* Agradeço à Conceição Mascarenhas a cedência da carta.
 
João Távora no Centenário da República
A Real Associação de Lisboa é uma estrutura regional integrante da Causa Real, o movimento monárquico de âmbito nacional. Esta é uma associação que visa a divulgação, promoção e defesa da monarquia e da Instituição Real corporizada na Coroa Portuguesa, cujos direitos dinásticos estão na pessoa do Senhor Dom Duarte, Duque de Bragança e em quem legitimamente lhe vier a suceder. Cabe a esta associação a prossecução de iniciativas e de projectos de interesse cultural, social, assistencial e de solidariedade que visem a dignificação, a valorização e o desenvolvimento dos seus associados e da comunidade em que se insere.

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