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BLOGUE REAL ASSOCIAÇÃO DE LISBOA

Saudades do Brasil que podia ter sido

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Ao Brasil são atribuídos tradicionalmente três pecados originais - a escravatura, a monocultura e o patriarcalismo latifundiário - que terão contribuído para a sua consolidação como país independente mas, também, para a sua estagnação e o seu fraco desenvolvimento económico. Em maior ou menor grau, todos os "intérpretes do Brasil" - autores de obras que, pela sua importância e impacto, se tornaram incontornáveis na (auto)interpretação do país - debruçaram-se sobre eles articulando-os e entendendo-os de maneiras diversas e procurando perscrutar a identidade nacional brasileira, criando-a ou recriando-a à medida que sobre ela faziam incidir os seus estudos.

Inicialmente centrada nos aspectos culturais, antropológicos e etnográficos, ontológicos até, da brasilidade, esta análise foi revelando crescentes preocupações sociais e inflectindo, sob influência marxista, para análises mais ou menos desenvolvimentistas sobre o grau de progresso do Brasil, e os motivos e consequências das assimetrias sociais na sociedade brasileira.

O tempo e um mundo separam Joaquim Nabuco, o monárquico "revolucionário conservador" defensor acérrimo da abolição da escravatura, ou a interpretação de Gilberto Freyre sobre a especificidade do mundo lusotropical, das visões propugnadoras da direcção da economia ou denunciadoras dos bloqueios alegadamente causados pela herança portuguesa da patrimonialidade do poder.

Não obstante, todas cultuam a nação e buscam a sua compreensão, nem sempre fácil, porque, como dele disse Alceu Amoroso Lima "Foi se vendo pouco a pouco - e até hoje o vemos ainda com surpresa, por vezes - que o Brasil se formara às avessas, começara pelo fim. Tivera Coroa antes de ter Povo. Tivera parlamentarismo antes de ter eleições. Tivera escolas superiores antes de ter alfabetismo. Tivera bancos antes de ter economias. Tivera salões antes de ter educação popular. Tivera artistas antes e ter arte. Tivera conceito exterior antes de ter consciência interna. Fizera empréstimos antes de ter riqueza consolidada. Aspirara a potência mundial antes de ter a paz e a força interior. Começara em quase tudo pelo fim. Fora uma obra de inversão."

Ao relermos a avaliação de Amoroso Lima, ressalta como primeira “inversão” a da existência de uma Coroa que precedeu a do próprio Povo. Esta Coroa, “semeada” por D. João VI, forjada por D. Pedro I e cingida sobretudo por D. Pedro II, foi a responsável, em boa medida, pelas obras de antecipação (preferimos esta designação à inversão) elencadas, verdadeira “plantação de instituições”. Sem elas, dificilmente o Brasil teria preservado a sua integridade política e territorial e, mesmo, a sua identidade cultural, arriscando pulverizar-se em particularismos e a deslaçar-se sob a liderança despótica de caudilhos avulsos à imagem da América espanhola.


O papel da monarquia na estruturação do Brasil e o papel tão modelar quanto moderador do seu segundo imperador e da Princesa Isabel, regente, é hoje amplamente reconhecido e a república brasileira e a maioria dos seus líderes não podem senão empalidecer (quando não corar de vergonha) ante o rol dos serviços imperiais à nação. Recorde-se que foi o Império Brasileiro quem aboliu a escravatura e que foi o seu papel corajoso e liderante nesse processo que ditou o seu fim, às mãos de terratenentes desafectos e de jovens militares positivistas sob a liderança formal de um velho marechal perjuro que no próprio dia da revolução deu vivas ao seu Imperador…

Apesar das caricaturas a que esteve sujeito em vida – decorrentes da liberdade de imprensa que defendia – e depois de morto – por uma república empenhada em justificar-se desdenhando o passado -, a imagem de digna devoção ao Brasil de D. Pedro II, paladino da verdadeira Ordem e do bom Progresso, emerge hoje por entre os escombros de uma sociedade polarizada e dilacerada por contradições e extremismos, potenciados por um regime presidencialista e por um congresso nacional eivados de corrupção.

Gilberto Freyre, considerou a monarquia brasileira como “predominantemente democrática e democratizada.”, entendendo que esta “exerceu saudável influência em favor da unidade, política e da cultura nacional; e mesmo em favor da objectividade em certas práticas políticas”, e que “com o prestígio que lhe era dado pela Família Imperial em benefício do papel nacional que, como sistema, tinha a representar, a monarquia brasileira manteve-se acima dos paternalismos regionais e das rivalidades entre as famílias poderosas”.


Num Brasil em que a moderação é um bem dramaticamente escasso, a sobriedade do estilo e da linguagem e o exercício constitucional do poder moderador por D. Pedro II deveria servir de exemplo: “é indispensável que o imperador, mantendo-se livre de prevenções partidárias, e portanto não considerando também como excessos as aspirações naturais e justas dos partidos, procure ouvir, mas com discreta reserva das opiniões próprias, às pessoas honestas e mais inteligentes de todos os partidos”.

O triste destino do Paço de S. Cristovão / Museu Nacional – consumido pelas chamas, perdendo-se a maioria do espólio da mais antiga instituição científica do Brasil – que remonta à presença fundadora de D. João VI e a ironia cruel de a imagem mais difundida do incêndio ter a estátua de D. Pedro II em primeiro plano, constituem uma metáfora dolorosa do Brasil que foi, do que é e do que poderia ter sido.

Olhando para a história atribulada do Brasil e para o novo capítulo que se iniciará com as eleições presidenciais do próximo fim-de-semana, é justo perguntar o que ganhou o país-irmão com a troca do Império pela República e desejar que, qualquer que seja o vencedor, vinguem a decência, a civilidade e a moderação sonhadas para o seu país por um sábio que era Imperador e que estão inscritas no coração dos brasileiros.

 

João Vacas

Associado nº 1924 da Real Associação de Lisboa

 

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