O caminho para o abismo
Tenho para mim que a dissolução do parlamento pelo presidente da república é um golpe de Estado, mesmo que constitucionalmente legitimo - não mudo de opinião por mudarem os protagonistas. A “bomba atómica” trata-se dum absurdo confronto entre duas legitimidades, uma unipessoal - a do presidente da república (imaginem que ele era um tonto egocêntrico), e outra colegial, esta última legitimada pelos votos de comunidades nos seus representantes no parlamento há pouco mais de um ano.
Com isto não quero dizer que não reconheça a degradação do ambiente político por via de oito desgastantes anos de poder socialista empenhado a distribuir benesses às suas clientelas e gerir a popularidade pelo ilusionismo. Na minha opinião a discussão sobre a dissolução do parlamento só serve para alimentar audiências na comunicação social e aos comentadores que vivem da especulação e intriga política. Mas o pior de tudo é que a simples ameaça da dissolução que Marcelo exibe como como bomba-relógio corre o risco de resultar num sentimento de acrescida inimputabilidade do governo, paralisado pelo medo de si próprio, da sua incompetência, da sua sombra. Numa democracia avançada, com uma maioria parlamentar eleita há pouco mais de um ano, o governo ver-se-ia obrigado a enfrentar os seus erros, a regenerar-se e a trabalhar – veja-se o caso paradigmático do governo conservador em Inglaterra na sequência dos escândalos de Boris Johnson e da crise que lhe sucedeu.
Pior do que vivermos num país manso e socialista é a arquitectura do regime semipresidencialista e das suas degradadas instituições em que já ninguém acredita. Nisso ninguém quer mexer... porque gostam?