A Coroação de Carlos III que ocorre hoje coincide com o 115.º aniversário da aclamação de D. Manuel II, último rei de Portugal até à data. Foi exactamente neste dia, em 1908, três meses depois do miserável assassinato do Rei Dom Carlos e do Príncipe Real Dom Luís Filipe no Terreiro do Paço, que o jovem rei se dirigiu ao palácio de São Bento para a cerimónia pública que simbolizava a comunhão entre o soberano e o seu povo, que o reconhecia como o primeiro entre iguais. Ao contrário do que acontece noutras monarquias, em Portugal, por tradição iniciada com Dom João IV, os reis deixaram de ser coroados, entregue que foi a coroa do reino de Portugal a Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa em agradecimento pela Restauração da Independência.
A solenidade da aclamação de 6 de Maio de 1908, profusamente fotografada e reportada pela imprensa da época, decorreu no hemiciclo de São Bento, perante os Deputados e Pares do Reino e do executivo liderado pelo Presidente do Conselho de Ministros Francisco Ferreira do Amaral. Dom Manuel jurou observar e fazer observar a constituição política da Nação portuguesa, promessa que cumpriu até à sua morte precoce, já no exílio em Twickenham. Teve um reinado trágico, shakespeariano.
Passados exactamente 115 anos sobre a aclamação do Patriota Desventuroso, hoje é dia de festa no Reino Unido. A coroação de Carlos III, numa cerimónia que extravasa as fronteiras dos seus Reinos e da própria Commonwealth, é um evento de âmbito global ecoará pelo mundo, em directo da Abadia de Westminster, numa Londres engalanada e disposta a viver uma gigantesca comemoração popular. É este o poder de atracção da monarquia britânica, cujo sentido de equilíbrio de um povo tão pragmático quanto zeloso da sua especificidade dignificou, fez permanecer e tornar um elemento harmónico e indispensável ao seu sistema democrático. Este vem resistindo aos mais turbulentos ventos do auto-proclamado progressismo e tem na Coroa um garante da coerência, do equilíbrio e do prestígio das instituições, simultaneamente vetustas e actualizadas, que compõem e asseguram a continuidade de uma das mais antigas democracias parlamentares do planeta. Esta democracia plural é profundamente participada, pujante e ruidosa, alicerçada numa sociedade civil dinâmica, exigente e até contestatária na defesa dos muitos interesses conflituantes, espelhados numa imprensa livre, independente e interpeladora, quantas vezes sensacionalista.
A cerimónia da Coroação, que irá mobilizar e animar o país durante três dias, contará com mais de 2 mil convidados. Entre eles, estarão chefes de Estado de vários países, políticos e representantes de outras monarquias e casas reais europeias, e contará com militares, funcionários públicos, líderes comunitários, filantropos, numerosos artistas e personalidades. O poeta e músico australiano Nick Cave participará na celebração. Segundo o próprio, a sua presença corresponde a um "apego inexplicável" à família real britânica. Este é o mistério das monarquias. Todo o planeta será testemunha deste acontecimento raro e precioso e que viverá na memória de quem o acompanhar.
Enquanto isso, em Portugal vive-se um clima de histeria insalubre que já transborda da bolha mediática para a rua e para as conversas de café: não há cigarros nem pipocas suficientes para acompanhar a deplorável telenovela que cola quase todos às televisões. O Chefe de Estado e o Governo nomeado há pouco mais de um ano encontram-se em conflito aberto, como já aconteceu, tristemente, tantas vezes nas últimas décadas. Bizarra república, a nossa, em que duas das principais instituições do Estado foram arquitectadas para se contraporem e digladiarem em guerrilha política, para regalo circense da turba. Não será essa uma das causas do nosso atraso socioeconómico, pobreza e desleixo?
Num país civilizado, a Câmara dos Deputados (dos Comuns, no Reino Unido) seria o espaço destinado ao confronto e ao conflito democrático, que é natural e desejável entre facções, podendo contar com a mediação duma Câmara Alta. Ah, e nesse país os tribunais funcionariam. Numa democracia avançada, com uma maioria parlamentar eleita há pouco mais de um ano, mesmo perante uma crise grave, o Governo ver-se-ia obrigado a corrigir os seus erros, e, estimulado pelos deputados que constituíssem o seu sustentáculo parlamentar, representantes verdadeiros dos seus eleitores, teria de regenerar-se e de trabalhar – veja-se o caso paradigmático do governo e da maioria conservadoras no Reino Unido: a sequência dos escândalos de Boris Johnson foi seguida da crise com a efémera Liz Truss, até à estabilização com Rishi Sunak.
O maior problema de Portugal é a fragilidade das suas instituições num sistema político de raiz revolucionária, estagnado, afunilado e absolutamente incapaz de se regenerar. Os portugueses, capturados pelo “progressismo” que assassinou os seus reis, destruiu as suas tradições e truncou o ensino da sua História, foram, há gerações, acometidos pelo conhecido Síndrome de Estocolmo (estado psicológico particular em que uma vítima de rapto, submetida a um tempo prolongado de intimidação, passa a ter simpatia e até mesmo amor ou amizade pelo seu agressor) e parecem acomodados à mediocridade a que esta apagada e triste República os acorrentou.
Tenho para mim que a dissolução do parlamento pelo presidente da república é um golpe de Estado, mesmo que constitucionalmente legitimo - não mudo de opinião por mudarem os protagonistas. A “bomba atómica” trata-se dum absurdo confronto entre duas legitimidades, uma unipessoal - a do presidente da república (imaginem que ele era um tonto egocêntrico), e outra colegial, esta última legitimada pelos votos de comunidades nos seus representantes no parlamento há pouco mais de um ano.
Com isto não quero dizer que não reconheça a degradação do ambiente político por via de oito desgastantes anos de poder socialista empenhado a distribuir benesses às suas clientelas e gerir a popularidade pelo ilusionismo. Na minha opinião a discussão sobre a dissolução do parlamento só serve para alimentar audiências na comunicação social e aos comentadores que vivem da especulação e intriga política. Mas o pior de tudo é que a simples ameaça da dissolução que Marcelo exibe como como bomba-relógio corre o risco de resultar num sentimento de acrescida inimputabilidade do governo, paralisado pelo medo de si próprio, da sua incompetência, da sua sombra. Numa democracia avançada, com uma maioria parlamentar eleita há pouco mais de um ano, o governo ver-se-ia obrigado a enfrentar os seus erros, a regenerar-se e a trabalhar – veja-se o caso paradigmático do governo conservador em Inglaterra na sequência dos escândalos de Boris Johnson e da crise que lhe sucedeu.
Pior do que vivermos num país manso e socialista é a arquitectura do regime semipresidencialista e das suas degradadas instituições em que já ninguém acredita. Nisso ninguém quer mexer... porque gostam?
“Monarquia - História, doutrinas e heranças” é escrito por Carlos Maria Bobone que é filho de um dos meus maiores amigos, facto que apenas denuncia que já não vou para novo. Também não é por isso que nos últimos dias me embrenhei na leitura deste livro: com responsabilidades no meio monárquico a sua leitura era-me obrigatória. Afinal o livro é um minucioso ensaio sobre as origens, desenvolvimento, derivações deste sistema de governo com raízes nas primeiras sociedades tribais. Se por um lado a obra, mais especificamente nas páginas em que o autor discorre sobre as monarquias parlamentares, pode desiludir os monárquicos “militantes” que, como eu, despendem muita da sua energia a valorizar a Instituição Real nos países ocidentais como elemento mitigador dos vícios do niilismo democrático, constitui uma preciosa tese filosófica e historiográfica sobre este sistema de organização política profundamente versátil e, afinal de contas, resistente. Um reconhecimento de como a infiltração dos princípios monárquicos (no sentido clássico do "poder de um só" que é disto que a obra essencialmente trata) noutras concepções do mundo e noutras ideias políticas hoje em voga, porque “a história da política no Ocidente é também uma constante recuperação de alguns dos princípios monárquicos considerados caducos ou ilegítimos, que os governos recuperam de forma mais ou menos camuflada”. Mas tudo se inicia nas sociedades tribais, na génese do conceito de família com base no casamento, “uma espécie de reconhecimento da igualdade, que ultrapassa a simples relação de poder”, na necessidade de constituição de um modelo de chefia organizado, acima dos clãs. Curiosa a tese devidamente exemplificada com lendas e histórias, do recurso ao “rei estrangeiro”, que chegado de longe com aura de mistério e imparcialidade, pela sua auctoritas irá dar início a uma monarquia primordial.
Das sociedades recolectoras à época clássica, passando pelo pensamento escolástico ao iluminismo, da Revolução Francesa ao liberalismo constitucional, do tradicionalismo de Mauras às repúblicas impregnadas de elementos monárquicos que pretendiam banir, nas 370 páginas de “Monarquia - História, doutrinas e heranças” o Carlos Maria Bobone guia-nos com rara erudição e uma escrita fluida pela história das Monarquias, “não de regime, porque há várias formas de regime monárquico”, pela história do pensamento político e da filosofia, arriscando concluir que “mais do que uma doutrina a monarquia um factor histórico.” E nesse sentido o autor saberá por certo que num país com quase novecentos anos de História como Portugal, independentemente do regime político em vigor, é importante lutar pela valorização da sua Casa Real. Noblesse Oblige.
“Monarquia - História, doutrinas e heranças” por Carlos Maria Bobone, Leya Fevereiro de 2023. À venda aqui
Rev. Pe. Gonçalo Portocarrero de Almada, Igreja de São Vicente de Fora, 1-2-2023
O REI E A FAMÍLIA REAL
Introdução.“Naquele tempo, Jesus dirigiu-Se à sua terra e os discípulos acompanharam-n’O” (Mc 6, 1) – assim se inicia o trecho do Evangelho que corresponde a esta quarta-feira da semana quarta do tempo comum, que é também o primeiro dia do mês de Fevereiro e, sobretudo, o aniversário do regicídio que vitimou, no Terreiro do Paço, Sua Majestade Fidelíssima, El-Rei D. Carlos I, e o Príncipe Real, D. Luís Filipe. É sobretudo a sua memória que, aqui e agora, se evoca, sufragando as suas almas, sem esquecer os demais membros da Família Real já falecidos, nomeadamente Suas Majestades El-Rei D. Manuel II e a Rainha D. Amélia.
Como é já tradição nesta celebração anual, depois de concluída a Eucaristia, rezaremos um responso pelas almas das reais vítimas do regicídio, bem como por todos os restantes monarcas, príncipes e infantes, cujos restos mortais aguardam, no vizinho panteão real, a gloriosa ressurreição. Agradeço ao Reverendíssimo Senhor Cónego Jorge Dias, Reitor desta Igreja de São Vicente de Fora, por ter disponibilizado este magnífico templo para esta celebração. Comigo concelebra o Reverendíssimo Senhor Padre Tiago Ribeiro Pinto, que depois presidirá à celebração litúrgica no anexo panteão, muito grato pela sua presença, bem como pelo seu testemunho de fidelidade a Deus, na sua Santa Igreja, e a sua sacrificada disponibilidade no serviço da Família Real.
Terminadas as apresentações respeitantes ao clero, devo, em primeiro lugar, cumprimentar Suas Altezas Reais, os Senhores Duques de Bragança, na sua dupla qualidade de Chefes da Casa Real e de representantes de El-Rei D. Carlos e do Príncipe Real. Infelizmente, nem sempre as notícias que nos chegam de outras Casas Reais beneficiam a imagem da Instituição junto da opinião pública, mas, no que ao nosso país se refere, devemos dar graças a Deus pelo exemplo que, de forma discreta mas tão convincente, constantemente nos chega do Senhor Dom Duarte e da Senhora Dona Isabel. Ambos, com efeito, são exemplares, não apenas no seu patriótico serviço a Portugal, mas também no seu eloquente testemunho de fidelidade à Igreja católica que, fazendo jus a tão sincera e ininterrupta devoção dos monarcas lusitanos, os honrou com o título de fidelíssimos, que também é devido aos actuais titulares da Casa Real portuguesa, não apenas como seus representantes, mas também a título pessoal.
Como é também da praxe, saúdo os Presidentes da Causa Real e da Real Associação de Lisboa, os Cavaleiros e Damas da Ordem Soberana e Militar de São João, dita de Malta, e da Ordem de Cavalaria do Santo Sepulcro de Jerusalém, que igualmente honram esta celebração com a sua piedosa presença. Cumprimento ainda os membros das Ordens dinásticas de Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa, em representação da nossa Padroeira e Rainha, a Senhora da Conceição, e de Santa Isabel, a nossa tão popular e querida Rainha Santa.
É com especial gratidão que me dirijo, por fim, a todos os demais fiéis que, certamente com sacrifício, mais uma vez participam nesta Missa de sufrágio pelas vítimas do regicídio de 1908, enaltecendo, em primeiro lugar, a piedade da sua participação nesta celebração litúrgica. A memória de El-Rei D. Carlos e do Príncipe Real não apenas diz respeito aos que se revêem na Instituição Real, porque todos os verdadeiros patriotas não podem deixar de venerar estes insignes mártires da Pátria.
O regresso de Jesus a Nazaré. Embora o evangelista São Marcos indique Nazaré como sendo a ‘pátria’ de Jesus (cf. Mc 6, 1), na realidade o não era, por duas principais razões. Com efeito, a sua naturalidade era a cidade de Belém, indicada como sendo, precisamente, a naturalidade do tão esperado Messias (cf. Miq 5, 2; Mt 1, 4-6). Era também Belém de Judá a sua pátria em sentido estricto, ou seja, a terra dos seus pais, na medida em que, pela linhagem de José, o filho de Maria era, legal e socialmente, da casa e família do Rei David (Lc 2, 4).
No entanto, como por razões de prudência, a Sagrada Família, ao regressar do exílio no Egipto, decidiu não regressar a Belém, estabelecendo-se na Galileia, numa pequena povoação chamada Nazaré (cf. Mt 2, 19-23) e que, a julgar por uma afirmação de Natanael – “De Nazaré pode porventura sair coisa que seja boa” (Jo 1, 46) – não era uma terra principal. Contudo, é de Nazaré que Jesus toma o nome, apelidando-se, desde então, pela referência a essa terra, segundo aliás uma praxe muito habitual, também entre nós, em que inúmeras famílias, sobretudo se apelidadas com um nome comum, acrescentaram ao apelido dos seus antepassados a referência toponímica (é, por exemplo, o caso dos Ferreira Pinto, de Basto; ou os Gonçalves Macieira, de Macieira da Maia, que trocaram o patronímico pela referência topográfica que, desde então, designa a família).
No princípio da sua vida pública, Jesus muda-se para Cafarnaum. Desde então, é aí que tem a sua residência, possivelmente na casa do pescador Simão, irmão de André, a quem chamará Pedro (cf. Jo 1, 42) por ser ele, como primeiro Papa, aquele sobre o qual o Mestre construirá a sua Igreja (cf. Mt 16, 18). Não obstante este seu domicílio, o ministério de Cristo é peripatético, no sentido em que continuamente percorre a Judeia e a Galileia, atravessando também a Samaria, onde não se demora, por razão dos atritos entre samaritanos e judeus, de que deu conta a boa mulher que Jesus encontrou junto ao poço de Sicar (cf. Jo 4, 1-26).
Mas Nazaré, apesar das frequentes deslocações de Jesus, continua presente na vida do Mestre, não apenas por ter sido o lugar da sua infância, adolescência e maturidade, ou porque aí exerceu, durante anos a fio, o mesmo ofício de São José (cf. Mc 6, 3), mas sobretudo porque aí permanecia sua Mãe, Maria. Quer pela sua viuvez – não se sabe quando se deu o falecimento de José, mas decerto já tinha ocorrido quando se dá o casamento em Caná da Galileia, em que já não está presente (cf., Jo 2, 1-11) – quer também por Jesus ser filho único – por este motivo, na Cruz, entrega a sua Mãe a João (cf. Jo 19, 25-27), por não ter irmãos a quem a deixar – Nossa Senhora estava muito só, humanamente falando. Por uma razão de piedade filial e da mais elementar justiça, Jesus não podia deixar de visitar Nossa Senhora com alguma frequência. Maria aceitaria essa dolorosa separação, com o mesmo espírito com que também se resignou ante a morte do seu Filho na Cruz, porque era assim que se devia cumprir a vontade salvífica de Deus.
Sendo Maria muito provavelmente natural de Nazaré, como diz São Lucas (cf. Lc 1, 26-27), de lá seriam também os seus pais, irmãos e sobrinhos. São estes, precisamente, que são aqui referidos como ‘irmãos’ de Jesus, porque a língua aramaica não distingue irmãos e primos direitos, ou coirmãos, a todos chamando, genericamente, irmãos. Portanto, os citados “Tiago, José, Judas e Simão”, bem como “as suas irmãs” (Mc 6, 3) eram, pela certa, sobrinhos de Maria e, portanto, primos direitos de Jesus. Deve ter sido com eles que, por serem da sua família e mais ou menos da sua idade, Jesus mais conviveu durante a sua infância e adolescência, até porque a família paterna, sendo José de Belém de Judá, não estaria tão próxima, nem seria, por isso, acessível. O facto de a Sagrada Família não ter encontrado alojamento em Belém, quando era iminente o nascimento de Jesus (cf. Lc 2, 1-7), que por isso teve de vir ao mundo num estábulo, indicia uma relação distante, senão mesmo hostil, de José com os seus parentes que ainda viviam em Belém.
Apesar de Pedro e André serem irmãos, como também o eram os filhos de Zebedeu, João e Tiago, cuja mãe pede a Nosso Senhor que coloque estes dois seus filhos à sua direita e esquerda (o que já me levou a pensar que devia ser portuguesa, e que, pela certa, o seu apelido era Cunha!), não parece que os parentes de Jesus tenham aderido à sua pregação. Pode ser que esta sua aparente indiferença se deva ao facto de Jesus, ao tempo da sua permanência na Galileia, onde com eles convivia naturalmente, não ter protagonizado nenhum acontecimento extraordinário, pois o seu primeiro milagre aconteceu em Caná da Galileia (cf. Jo 2, 1-11). Não só os familiares de Jesus parecem pouco dispostos a acreditar na sua mensagem, como até chegam a provocar um episódio caricato, quando O quiseram “prender, porque diziam: ‘Está louco’.” (Mc 3, 21).
A especial missão da Família Real. Quando, no dia de sábado, já em Nazaré, Jesus começou a ensinar na sinagoga, os seus conterrâneos comentaram: “‘De onde Lhe vem tudo isto? Que sabedoria é esta que Lhe foi dada e os prodigiosos milagres feitos por suas mãos? Não é Ele o carpinteiro, Filho de Maria, e irmão de Tiago, de José, de Judas e de Simão? E não estão as suas irmãs aqui entre nós?’. E ficavam perplexos a seu respeito.” (Mc 6, 2-3).
A perplexidade daqueles parentes de Jesus é a nossa também: como é possível que, conhecendo-O há tanto tempo, não soubessem quem Ele era?! Como explicar aquela estranheza, vinda daqueles que era suposto que mais e melhor O deviam conhecer e amar?! Se surpreende a hostilidade que Jesus sofreu noutras regiões da Terra Santa, indigna esta incredulidade daqueles que, por serem os seus parentes, deviam ser os seus melhores amigos e fiéis seguidores.
Jesus também não escondeu a sua perplexidade, ante a frieza dos ditos seus irmãos, e demais conterrâneos: “Jesus disse-lhes: ‘Um profeta só é desprezado na sua terra, entre os seus parentes e em sua casa’.” Essa ingratidão daqueles seus primos e demais nazarenos, explica que Nosso Senhor não tenha feito nenhum prodígio em Nazaré, como também explica São Marcos: “Não podia ali fazer qualquer milagre; apenas curou alguns doentes, impondo-lhes as mãos. Estava admirado com a falta de fé daquela gente. E percorria as aldeias dos arredores, ensinando” (Mc 6, 1-6).
Quando, logo após o vil assassinato do Rei D. Carlos I e do Príncipe D. Luís Filipe, as augustas mães de ambos se encontraram, a Rainha D. Maria Pia exclamou: “-Mataram o meu filho!”, ao que a Rainha D. Amélia, que tinha acabado de enviuvar, respondeu: “- Também mataram o meu!” Enquanto a Rainha Mãe tinha a lamentar a morte de um filho e de um neto, a Rainha D. Amélia acabava de perder o marido e o filho primogénito. Ambas foram, nesses seus tão dolorosos lutos, vítimas do regicídio, porque os mesmos tiros que cobardemente mataram o Rei e o Príncipe Real, feriram os seus corações maternos. O que caracteriza a monarquia não é tanto, como o nome erradamente sugere, o governo de um só, mas de uma Família que, se tem direito a acrescidas honras, é também porque tem redobradas obrigações no que respeita o serviço do Estado e da Instituição Real.
Enquanto, em república, os familiares do Chefe do Estado não têm qualquer missão, nem estatuto oficial, na monarquia o cônjuge do monarca com ele partilha a realeza, com o título de Rainha ou, entre nós, depois de nascido o Príncipe herdeiro, de Rei. Também os irmãos e sobrinhos do soberano estão naturalmente chamados ao desempenho de funções de representação nacional, sempre em total fidelidade e subordinação ao soberano. São, aliás, estas funções que justificam que, nas modernas monarquias europeias, os príncipes da Família reinante recebam encargos de representação.
O último gesto do Príncipe Real, Dom Luís Filipe, foi o de defender o seu augusto Pai, expondo-se assim às balas que causaram a sua morte. Não foi apenas um mártir da Pátria, mas também um heroico exemplo de devoção filial e de fidelidade ao seu Rei e Senhor. Se tivesse pensado, nesse momento trágico, em si mesmo, o Príncipe poder-se-ia ter resguardado, mais ainda sendo ele o que, na ausência do seu pai, estava chamado a ocupar o trono lusitano. Com a nobreza que é timbre dos verdadeiros príncipes, D. Luís Filipe sabia que o seu principal dever era servir o seu Rei, mesmo que fosse à custa da sua vida. O seu sacrifício não foi em vão, porque permanece como lição de amor filial e do que a Coroa espera de todos os membros da Família Real, bem como de quantos fizeram sua esta Causa.
Se é verdade, como já se disse, que de Suas Altezas Reais, os Senhores Duques de Bragança, só há a registar exemplos de virtudes cívicas e cristãs, o mesmo se pode dizer, graças a Deus, dos actuais Príncipes da Casa de Bragança. Em tudo o mais, os Infantes podem ceder a primazia, mas no serviço ao Rei e à Pátria, compete-lhes sempre o primeiro lugar, para que a ‘alteza’ da sua condição seja justificada pela elevação da sua vida moral, familiar e pessoal. Não se exige a um Infante de Portugal que seja célebre, nem famoso, mas que seja o primeiro em honrar e servir o seu País, pelo respeito e serviço ao Rei e a Portugal.
Conclusão. O relato evangélico agora proclamado termina com uma constatação de facto que nos enche de tristeza e, também, de apreensão: “não podia ali fazer qualquer milagre; apenas curou alguns doentes, impondo-lhes as mãos. Estava admirado com a falta de fé daquela gente. E percorria as aldeias dos arredores, ensinando” (Mc 6, 5-6). Tristeza, porque a falta de fé daquelas gentes de Nazaré foi a causa que impediu os muitos milagres que o Mestre poderia ter feito lá, em benefício dos mais necessitados dos seus compatriotas. Apreensão porque, se assim foi há dois mil anos, também agora pode acontecer que o Senhor não faça os milagres, que são necessários para a salvação da nossa pátria, precisamente pela nossa falta de fé.
Em Caná da Galileia, foi a Maria a quem se ficou a dever o primeiro milagre de Jesus, em virtude do qual não só converteu a água em vinho, como também os discípulos do Senhor n’Ele creram (Jo 2, 1-11). Que a fé de Maria, que está na origem da fé da Igreja, crie em nós aquela firme disposição de que Jesus quer precisar para que, finalmente, se cumpra Portugal!
O regicídio cultiva nas diferentes fileiras políticas um misto de simpatia e de desprezo, de romantismo e de horror. Assim como na morte de Luís XVI, em França, de Nicolau II, na Rússia, ou a morte do rei mártir Carlos I, em Inglaterra, não há tragédia que não venha antecedida de uma circunstância, entretecida por motivos e ideais programados à inteligência dos homens. Compreender um crime não é um acto de compaixão, mas de justiça, por mais complexo, arbitrário, obscuro, que nos possa parecer.
Aquilino Ribeiro tece um retrato apaixonado dos regicidas, ele próprio um cúmplice. No livro “Um escritor confessa-se” a descrição mede o rancor e o desprezo com que olhava o regime; ali traça a espera justicialista da redenção pelo crime, do sangue pela virtude. Aquilino escreve: “o regicídio foi a enfloração lógica de ideias, ódios e revoltas, semeados a trouxe-mouxe por monárquicos e republicanos num solo bárbaro, propício à violência”.
Independentemente do contexto a reflexão parece lapidar e soma as várias circunstâncias que altivaram a catástrofe. O século XIX é bárbaro e inclemente numa sinecura de traições e cobardias. A guerra civil dilacerara as consciências, onde apenas poderia restar o divisionismo e o sectarismo partidário. As inteligências não progrediram dessa angústia, restando a evolução dum sistema parlamentar e rotativo muitas vezes olhado com desdém. Ainda que as obras de melhoramentos materiais, as grandes reformas codificadoras, a transformação político-administrativa perpetrada pelo regime tenha mudado Portugal. Acuse-se o facto de o constitucionalismo ter sido imposto de cima para baixo, muitas vezes confrontando a desconfianças do povo e a incompreensão do “país legal” face ao “país real”. O trono fora poupado, mas as forças que avançavam faziam antever o pior. Fialho de Almeida constatava: “Ah, os tempos mudaram! Já não são os reis que fazem os povos”[1].
2 – O radicalismo na monarquia
A maçonaria radicalizava-se no ano de 1907 com a eleição, para grão-mestre, de Magalhães Lima, nele, o discurso contra o trono e o anticlericalismo eram constantes. A carbonária portuguesa, copiada da italiana de onde tem origem, era verdadeiramente uma milícia armada, como comprovam os testemunhos da época. Os populares acorriam à seita e mesmo os próprios republicanos ficaram incrédulos perante uma lista de carbonários apresentada por Antonio José de Almeida. Treinavam o tiro e incentivavam o ódio ao regime, ódio ao Rei sobretudo, e estavam prontos a matar e a morrer por aquela causa.
Como notava um jornalista republicano, Homem Cristo, a antipatia a D. Carlos resultava “unicamente da forte personalidade que, desde príncipe real, D. Carlos revelara…” e como o povo de Lisboa “sentia, por instinto, no futuro reinante, um adversário.” [2] . Outro, Júlio Vilhena, diria que, D. Carlos fora morto, “não pelos seus defeitos, mas pelas suas qualidades”.
Dentro do regime os ânimos acicatavam ódios antevendo o pior. José Apolim, chefe do Partido Regenerador, tivera atitudes desprezíveis e odiosas face a D. Carlos, levando o jornalista republicano Pinheiro Chagas a cognominar esse político como “o regicida”. Constata-se, assim, no seio da própria monarquia, uma vacuidade total para defender o trono. Quanto aos que podiam defender o Rei, esses iam desaparecendo, primeiro Fontes, o líder regenerador, depois Braancamp, líder progressista, mais tarde Hintze Ribeiro, dedicado conselheiro do Rei, que morreria decepcionado por ter sido preterido por João Franco. Desapaixonadamente, D. Carlos confessaria: “Isto é uma monarquia sem monárquicos”.
3 – Um rei entre tragédias
D. Carlos teve grandes êxitos na política colonial, e, ao mesmo tempo, uma grande derrota que foi o Ultimatum Britânico. Teve consciência dos vícios que corroíam o poder e conhecia bem os desígnios da autoridade, suficientemente consciencioso para ser um realista político e perceber a enfermidade de que vivia o regime [3]. Bonacheirão e marialva, bon vivant, verdadeira têmpera aristocrática, tinha ao mesmo tempo o sangue vivo dos Sabóia. Pela têmpera jamais se deixaria desrespeitar, podia ser clemente e rígido, autoritário e impávido, ao mesmo tempo, mas nunca cobarde e jamais recuaria face ao perigo. Mas também um activo estudioso de oceanografia, pintor exímio e homem de estado audacioso e determinante [4].
O rei resistiu à primeira tentativa de golpe republicano no Porto, a 31 de Janeiro de 1891, ali demonstrou que não deixaria ser derrubado. A desordem não ficou por aqui. Em 1906, a tripulação a bordo do cruzador “D. Carlos” amotinou-se, obra de uma sociedade secreta, segundo se apurou, com sangue frio resiste a todas as crises e apercebe-se da insustentável fragilidade do regime. Procurou assim combater a decadência do sistema através de uma "revolução de topo" (conforme propugnara Hegel) e que encontrara expressão, no fim de século, pela pena de Oliveira Martins no programa da "Vida Nova". Desaparecido na decepção profunda em que mergulhava o país restou a D. Carlos confrontar-se com as exigências de um tempo que parecia ameaçar todas as instituições. João Fraco seria, pois, o último baluarte face ao avanço da desordem. Sobre o ministro recaíram todas as antipatias e respeitos (conforme se interpretem as suas decisões e conforme se estudem as suas medidas políticas). Não há como concordar na atitude do Rei face à certeza de que nem progressistas nem regeneradores conseguiam governar com o Parlamento.
Sobre a “ditadura” franquista, uma geração de historiadores republicanos, e mais tarde de historiadores marxistas, fez a confusão mais espúria ao ver Franco como uma antecipação do salazarismo (o que não é verdade [5]). João Franco era um liberal, um homem do sistema que compreendia a fragilidade do regime, o que protagonizava não se afastava dos modelos a que a restante Europa propugnava: um regime que mantivesse a liberdade e garantisse a ordem. Tal como Bismarck, na Alemanha, ou Disraeli, na Inglaterra, procurava as medidas necessárias para reformar o sistema. Este tipo de “ditadura” era comum nos sistemas liberais: o rei dissolvida o parlamento e nomeava um chefe do governo com o qual elaboraria decretos que seriam aprovados quando o parlamento reabrisse [6].
A ditadura servia como última consequência do demo-liberalismo, no fundo uma “ditadura administrativa” que mais não agoirou do que em ódios fervorosos tanto dos monárquicos, como dos republicanos, numa crescente de ataques que iam desde vaias ao rei a críticas ferozes a João Franco.
4 – A desordem
Seria fácil acusar apenas o grupo, não muito significativo, de republicanos pelas críticas e conspirações, ou ver na carbonária o braço armado que levou ao assassinato, ou ainda tecer injúrias a Buiça e a Costa. Acontece que os próprios políticos dos partidos monárquicos estavam de conluio no ódio ao Rei alimentados pelo apoio que dava a João Franco, a priori, este seria o homem a abater.
A primeira conspiração correu mal, a 28 de Janeiro de 1908. A ideia era raptar João Franco, o que falhou; enquanto outros que ficaram de invadir a Câmara Municipal foram denunciados e perseguidos. Percebiam-se os ataques à ditadura de João Franco e era necessário que não houvesse tréguas. Procurou-se que o rei soubesse os motivos da revolta e assinasse um decreto onde permitiria que deportassem para o desterro no ultramar os chefes republicanos. O rei assinou, declarando: “Assino a minha sentença de morte”.
A 1 de Fevereiro quando o rei e a família real desembarcaram no Terreiro do Paço veio a catástrofe. Embora se tenha justificado que o Rei e o filho foram mortos porque os conjurados não encontraram João Franco, o facto é que havia entre os revolucionários quem entendesse ser necessário “abater” o Rei. O tiro que matou D.Carlos foi desferido por Buiça, um professor primário; o outro tiro, que abateu um jovem príncipe de vinte anos, foi desferido por Costa, um caixeiro duma loja de Lisboa. Ambos carbonários, homens idealistas e fanáticos.
A descrição de Aquilino surpreende num homem que a cultura lusa tem por sumidade, demonstra como até as mentes mais esclarecidas conseguem ficar entupidas de fanatismo. A sua critica à monarquia é básica e as suas observações rudimentares, não superam a fragilidade da coscuvilhice e do mal-dizer, não tem argumentos sólidos, mas a forma como escreve e o que o motiva a escrever, é talvez determinante para chegar à mente dos regicidas e da percepção que estes tiveram naquele segundo em que premiram o gatilho.
Ele escreve: “A geração a que pertenço nasceu revolucionária, as gerações que alvoreceram depois de mim revolucionárias perduram.” Era talvez uma verdade mais romântica do que realista, mas é a partir desta declaração que percebemos muitas das contradições de um tempo que ansiava por uma nova alvorada, de utopia e de sonho, de revolução e de morte, de sangue e de martírio.
O século XX português começa então em 1908, num Portugal já sem grandes certezas da sua missão histórica, pessimista quanto ao futuro, dividido em facções políticas entre ambições e desalentos que gerariam as crises das próximas décadas. _____________________________ [1] PABON, Jesus, A Revolução Portuguesa, colecção Grandes Estudos Históricos 1959. [2] CRISTO, Homem, Notas, IV, Lisboa, [3] RAMOS, Rui, D. Carlos, Coleccção Reis de Portugal, Vol.XXXIII [4] Idem [5]RAMOS, Rui, João Franco: uma educação liberal (1884-1897) Análise Social, vol.xxxvi (160), 2001, 735-766, Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa. [6] RAMOS, Rui, …
É um assunto recorrente, à falta de melhor, alguma personalidade pública vir à praça pôr em causa os símbolos nacionais. Desta vez foi o cantor luso-cabo-verdiano Dino D’Santiago que, numa certamente bem frequentada conferência por causa dos 50 anos do Expresso, contestou o hino nacional português que reclama ser demasiado bélico. O tema, que em tempos tinha sido levantado com a mesma sofisticação teórica pelo maestro Vitorino de Almeida, pegou como fogo em palha seca nas redes sociais, donde nos últimos dias emerge um irresistível debate que venho seguindo com interesse. No Facebook alguém reclamava que o nosso hino não era grande coisa, que os mais bonitos eram o americano e a Marselhesa. Eu confesso que, mesmo sendo melómano, os hinos não me atraem grandemente. Detentor de uma relativamente numerosa discoteca, só sou feliz possuidor de dois hinos: o brasileiro, inserido numas Variações de Louis Moreau Gottschal (Grande Fantasia Triunfal) e uma impressão em ebonite 78 rpm de "A Portuguesa" de 1906 ou 1907, adoptada pelos republicanos em 1891 como “canção de intervenção” na sequência do ultimato britânico, quando eles se pretendiam fazer ao mar para heroicamente enfrentarem a armada britânica. Pena que não o tenham feito, todos juntos dentro cruzador Adamastor, adquirido pelos próprios através da “grande subscrição” patriótica. Não se tinha perdido grande coisa.
Na empolgante discussão sobre os deméritos de “A Portuguesa”, não foram poucos os que assumiram preferir o hino da Maria da Fonte, que os republicamos terão certamente ligado aos miguelistas. O facto é que hinos e marchas não entusiasmam a minha veia melómana, mas evidentemente prefiro qualquer um à Marselhesa, um descarado exemplo de xenofobia e belicismo. Os hinos soviético e americano são musicalmente interessantes, mas essa afeição talvez esteja relacionada com o número de vezes que os ouvi na infância e juventude a ver os Jogos Olímpicos na TV. Na verdade, os “símbolos nacionais” são uma invenção da sanguinária Revolução Francesa, na ânsia da consolidação do Estado Moderno como religião laica. Mesmo havendo quem afiance que “A Portuguesa” teria sido inicialmente dedicado por Alfredo Keil ao Príncipe Dom Miguel exilado na Austria, a verdade é que foram os republicanos de 1910 que o aproveitaram para primeiro hino nacional, na forma como entendemos actualmente o conceito. O Himno da Carta, era apenas o Hino da Carta, como o Hino da Restauração ou o Hino da Maria da Fonte. O pior dos “símbolos nacionais” foi a bandeira verde-rubra com que nos castigaram os revolucionários numa exibição de extremo mau gosto, e em cuja genealogia encontramos os símbolos da bandeira dos terroristas carbonários. A ela se referiu assim Fernando Pessoa: “contrária à heráldica e à estética, porque duas cores se justapõem sem intervenção de um metal e porque é a mais feia coisa que se pode inventar em cor. Está ali contudo a alma do republicanismo português – o encarnado do sangue que derramaram e fizeram derramar, o verde da erva de que, por direito mental, devem alimentar-se”. Valha-nos as armas reais, mesmo decapitadas lá no meio, que se foram impondo pelos nossos reis ao longo dos séculos, e cuja versão actual procede das armas de Dom João II com a Esfera Armilar de D. Manuel I.
Não me incomoda grandemente que se discutam os "símbolos nacionais”, pois não foi com “símbolos nacionais” que se construiu a nossa pátria. Na verdade, estou convencido de que Portugal, com fronteiras e língua bastante consolidadas há séculos, é dos países do mundo que menos necessita da sacralização dos "símbolos nacionais", exacerbados sempre por países em formação ou nacionalidades pouco consolidadas. Nós os portugueses há muito que nos habituámos a viver como habitualmente, e, de revolução em revolução, a aceitar um medíocre destino. O hino de Portugal decididamente não é o pior que nos impingiram, até homenageia os nossos egrégios avós. Agora aquela bandeira...
Durante este ano fomos confrontados com uma realidade que todos considerávamos improvável: uma Guerra na Europa. A guerra entre a Rússia e a Ucrânia tem-se traduzido numa verdadeira tragédia humanitária, mas também económica. Todos os dias assistimos a uma destruição massiva da Ucrânia que deixará marca por várias gerações entre os dois povos.
Gostava de salientar a mobilização do povo português, que desde a primeira hora tudo fez para atenuar o sofrimento de milhares de refugiados. Tivemos todos conhecimento de inúmeras iniciativas consertadas ou espontâneas por parte dos portugueses mostrando uma vez mais que o nosso povo se mobiliza de forma solidária nos momentos mais importantes.
Recentemente tive a possibilidade de visitar a Ucrânia e inaugurar, nos subúrbios de Kiev, uma casa que pode hospedar até duzentas pessoas em trânsito, especialmente para a Hungria ou Polónia. Esta é uma iniciativa da Real Ordem de São Miguel da Ala, em cooperação com os Bispos Católicos Ucranianos e com o apoio dos membros da Ordem em Portugal e vários países.
A guerra vem agravar a nossa situação económica, que já era bastante frágil. A inflação, a escassez de produtos, o aumento exponencial dos combustíveis e energia, vai dificultar ainda mais a nossa vida. Começamos a assistir a algumas situações que poderão causar grandes dificuldades durante o próximo ano.
Em consequência, existe cada vez mais a necessidade de acorrermos às famílias mais desfavorecidos.
Esta crise obriga-nos a acabar de uma vez com todas as situações de gritante corrupção que temos vindo a ter conhecimento nos últimos tempos. Esta é uma situação que sistematicamente produz uma sombra pesada sobre o país. Necessitamos de uma classe política forte e séria, e que esteja também decidida a fazer face aos desafios que se colocam a Portugal.
A melhoria gradual das condições de vida e da economia portuguesa nas últimas décadas são, felizmente, inegáveis. No entanto, é um facto incontestado que crescemos mais devagar do que a maioria dos outros países, pelo que os rendimentos das empresa e famílias também se mantem em níveis inferiores aos que desejaríamos obter.
Considerando que temos vindo a perder competitividade e oportunidades, tanto nos períodos internacionais favoráveis, como nos desfavoráveis, esta evolução só se pode atribuir opções políticas e económicas erradas. Ao contrário dos países mais prósperos, na República Portuguesa as pessoas e as empresas que obtêm sucesso, são vitimas de inveja social e de perseguição fiscal. Em contrapartida, aquelas que são inactivas ou pouco produtivas, são continuamente promovidas e incentivadas, criando um país de subsidio-dependentes, viciadas em pedir e receber favores do estado e fundos da europa. Espera-se sobretudo do estado e das múltiplas instituições ligadas á economia que criem um envolvente propicia a uma maior criação de riqueza em Portugal.
Entre estes desafios, alerto para o crescente problema do envelhecimento da população, pois que de acordo com estatísticas recentes, seremos o país mais velho da Europa em 2050. Em consequência desta situação e da estagnação económica que vivemos, cada vez mais, os nossos jovens procuram trabalho fora do país – longe das suas famílias e suas comunidades. Actualmente, mais de 40% dos nossos emigrantes estão na faixa etária entre os 20 e os 29 anos. São números impressionantes.
Este caminho, leva ao fim da esperança, o que não podemos deixar acontecer de forma alguma.
Cada vez mais precisamos de um projecto de Nação, que cada vez menos existe. Como defendia o nosso saudoso Gonçalo Ribeiro Telles, de quem se celebram os cem anos do seu nascimento, passo a citar: “O novo modelo de desenvolvimento”— a que chamamos “ecodesenvolvimento” - tem por objectivo a dignificação do Homem, a Justiça, a defesa da Vida, a humanização criativa do território e o melhor aproveitamento, em cada momento, de todos os recursos garantindo-se a permanência da capacidade de regeneração dos que são renováveis. (…) É absolutamente necessário, ao procurarmos viabilizar Portugal, fazer uma reflexão sobre o nosso passado (as raízes) e futuro como Nação livre e independente.” Defendia Ribeiro Telles já então uma “ecologia integral”. E continuando a citá-lo “acima da legítima liberdade de opinião de todos os portugueses, do poder efectivo das repúblicas municipais, acima das divisões sociais e políticas e dos poderes locais, terá que existir uma instituição permanente e histórica (o Rei), que garanta a unidade nacional, a liberdade, a diversidade de opinião e de propósitos e o prestígio no contexto internacional. Só assim podemos continuar a ser uma Nação livre e independente e a desempenhar no mundo o papel a que a nossa história e civilização nos obrigam.”
Gostaria de terminar esta mensagem com uma referência à Jornada Mundial da Juventude que se vai realizar em Portugal em Agosto do próximo ano e que deverá juntar no nosso país mais de um milhão de jovens de todo o mundo. A Igreja dá-nos esta oportunidade única de afirmar Portugal junto dos jovens num inspirador encontro de culturas que será com certeza inesquecível.
Como sempre, a minha família eu próprio estamos à disposição dos portugueses para servir no que for entendido como necessário.
Desejamos a todos um feliz Natal e um ano de 2023 abençoado por Deus!
A editora Razões Reais publicou em Maio de 2020 o livro Quando o povo quiser – uma antologia comemorativa dos dez anos do Correio Real - cujo título se inspira num excerto da conclusão do excelente ensaio “O Rei e a Constituição”, da autoria do senhor Professor Manuel Braga da Cruz. Esta aponta para a vontade de um «povo mobilizado e sensibilizado por quem tem convicções monárquicas» que, em referendo, poderia escolher democraticamente uma outra forma de Chefia do Estado.
É sabido que a forma republicana de governo, consagrada na alínea b) do artigo 288.º, é um dos limites materiais à revisão da Constituição vigente, significando, por isso, que, no actual quadro constitucional, semelhante alteração careceria de uma prévia eliminação daquele obstáculo formal. Mas, se o povo quisesse, não seria certamente este a detê-lo. As bibliotecas estão cheias de instrumentos jurídicos destinados à imortalidade e rotulados de perfeição que não duraram o tempo que demorou a secar a tinta em que foram imprimidos.
A questão prende-se, sobretudo, com o povo e a sua vontade, se esta está em condições de ser exercida em liberdade e se essa liberdade é fundada em conhecimento. A falta dele não constitui uma fatalidade, mas é agravada pela informação errada ou, no mínimo, imprecisa (para não lhe chamar outras coisas) que reiteradamente recebe sobre a História do país. Tivemos um exemplo flagrante disso mesmo há pouco tempo por parte de alguém que, não apenas pelas funções que exerce, que são transitórias, mas pelas de toda a sua vida, tinha obrigação de ser mais rigoroso.
Refiro-me às declarações do Presidente da República, proferidas por ocasião do VII Congresso Nacional da ACEGE – Associação Cristã de Empresários e Gestores – no passado dia 6 de Maio. Nestas, o senhor Professor, e sublinho a palavra Professor, Marcelo Rebelo de Sousa disse ser «Tudo muito difícil numa pátria em que a monarquia absoluta durou do quase início da sua História até ao quase final do século XX.» Ao lê-las na comunicação social – incrédulo – fui confirmar se correspondiam à verdade: correspondem. São facilmente consultáveis no site da Presidência da República.
À incredulidade seguiu-se a estupefacção e à estupefacção a tristeza. Descontando o mais que provável lapso quanto ao século XX, não é admissível que um Professor de Direito passe uma borracha sobre as formas distintas de funcionamento e de organização do Estado Português durante mais de setecentos anos e as reduza a um conceito tão equívoco quanto circunscrito no tempo. Não, Portugal não foi uma monarquia absoluta da sua fundação até quase ao fim do século XX. E quem o disse sabe-o. Sabendo-o, não poderia tê-lo dito. Muito menos como justificação sintética para todos os nossos males.
Teria sido excelente que a monarquia tivesse sido capaz de resistir à erosão que a corroeu, renovar-se e subsistir. Mas hoje seria igualmente bom que quem chefia o Estado atentasse no que diz, demonstrasse mais respeito pela verdade e, de caminho, fosse capaz de corrigir erros flagrantes.
Passados que estão mais de 110 anos da implantação da República, é manifesto que as dificuldades pátrias não se resolveram pela adopção da forma republicana de governo, tendo sido agravadas por ela em muitos casos. E arriscam continuar a agravar-se se quem cumpre mandatos públicos de especial relevo optar pelo disparate como forma de as justificar.
Quando o povo souber, talvez queira. Mas não quererá enquanto não souber e não poderá querer o que desconhece. Felizmente que no Estado português ainda há quem não escamoteie o contributo da monarquia para o nosso caminho comum multissecular:
(…) na lembrança da forte ligação familiar de Vossa Alteza Real, Grão-Duque Henri, com Portugal desde D. Miguel, em pleno século XIX, aliás aqui presente, tal como seu irmão D. Pedro, na pessoa do herdeiro de séculos de História de Portugal, que nós respeitamos e evocamos sempre, um exemplo do que é Portugal e Portugal democrático. (Aqui ao minuto 1)
Neste dia 11 de Maio, o do jantar oferecido a Suas Altezas Reais os Grão-Duques do Luxemburgo pelo Presidente da República, o estadista Marcelo Rebelo de Sousa prevaleceu sobre outro Marcelo Rebelo de Sousa. Seria bom que estivessem mais vezes de acordo.
Evidentemente que o problema do Brasil estará a montante do presidencialismo vigente, mas fico com a ideia de que o sistema não ajuda nada, antes pelo contrário. A somar a tudo isto, porque dois males nunca vêm sós, verifica-se que, por contingências que mereceriam outra análise mais profunda, a disputa presidencial se dá entre dois absolutos desqualificados institucionais: um esquerdista venal e outro boçal populista. Venha o diabo e escolha, ainda bem que não tenho de resolver o dilema.
Como em Portugal, no Brasil o Chefe de Estado também é um chefe de facção, que a cada eleição deixa uma significativa parte das comunidades nacionais órfã de representação, com a agravante de acumular a chefia do governo. Num sistema complexo como o brasileiro, um país descomunal, de frágeis instituições e precária homogeneidade geográfica étnica e cultural, persistentes índices de desigualdade e pobreza endémica, a democracia clama por uma figura agregadora e consensual. E não nos esqueçamos que foi a monarquia bragantina que vigorou por três gerações que criou esta potência mundial, a quinta maior democracia do mundo – o milagre brasileiro, eterna promessa.
Quem assistiu ao debate eleitoral de ontem não terá conseguido evitar um calafrio na espinha perante tanta despudorada alarvidade esgrimida. Sempre precária e tumultuosa, os testemunhos que nos chegam, é de que a democracia brasileira chega a 2022 com o país multifracturado, num clima insalubre de conflitualidade, que as eleições de domingo vêm exponenciar, arriscando-se acender o rastilho da violência ou da tirania. Isto tudo porque o povo brasileiro tem de escolher uma de duas figuras tóxicas e sectárias. Rezemos então a Deus que afinal é brasileiro, pois os tempos reclamam por um novo milagre.
A esquerda radical, numa reacção pavloviana, reagiu poucos dias depois da morte da rainha Isabel II incomodada com o espectável dilúvio mediático resultante do acompanhamento das cerimónias fúnebres e de transição na monarquia – pena é que não tenhamos mais oportunidades de abordar o tema subjacente. Nesse sentido, são exemplos os artigos de Daniel Oliveira no Expresso e Carmo Afonso no Público que, vexados, verberam contra a forma de governo monárquica, desprezando o facto de os países onde o sistema vigora serem dos melhores exemplos de avanço democrático.
Carmo Afonso usa até uma abordagem original, congratulando-se com os azares dos monárquicos em Portugal, como com a expropriação dos bens da Casa de Bragança por Salazar, do “perfil humilde” e “discreto” do Duque de Bragança, não referindo a abolição da monarquia constitucional portuguesa e a instauração de uma república, ditatorial, violenta e sempre minoritária no apoio popular, pela força das armas, ou o cobarde assassinato do Rei Dom Carlos e do seu jovem filho o Príncipe Real dois anos antes, práticas políticas que a colunista por certo aprova.
Como os antigos jacobinos ou os soviéticos mais tarde, os dois colunistas acreditam profundamente que a natureza humana, onde ancora a atracção das pessoas pela instituição monárquica e os seus rituais, é moldável. A construção de um “homem novo” que “considere a existência de famílias reais uma afronta” é um idealismo perigoso que, estranhamente, no século XXI ainda seduz demasiados activistas da nossa praça. Como no final da monarquia em Portugal, são poucos, mas ruidosos.
Percebe-se como a morte de Isabel II tenha colocado na ordem do dia e inundado o espaço público com relatos, imagens e testemunhos insuspeitos sobre as qualidades do regime monárquico. Afinal a “rainha de Inglaterra” fez a diferença. Não sei se será surpresa para os progressistas constatarem que sempre que se mudaram os regimes à força, apesar do sangue derramado, não conseguiram mudar as mentalidades como tinham idealizado. Ao menos o sonho de John Lennon no seu castelo de marfim, ficou-se por uma bonita e inconsequente canção: continuarão a existir países, religiões, propriedade, paraíso e inferno… enquanto existirem pessoas.
Ora, as monarquias existem porque a esmagadora maioria pessoas não comunga dos ressentimentos sociais e das ideias políticas dos danieis oliveiras e das carmos afonsos da vida. Do Daniel Oliveira, que se faz distraído confundindo votos com legitimidade, sabe-se que se viu obrigado a arrumar o seu passado político no PCP numa gaveta funda quando não era mais possível esconderem-se os milhões de vítimas do comunismo que professava. Nesse sentido convém responder à pergunta: qual a razão dos noticiários darem tanta atenção às exéquias da rainha de Inglaterra e à transição em curso na coroa britânica? Porque o público é sensível e adere ao drama humano e à beleza estética que emana desta poderosa instituição e dos seus rituais. Porque a instituição real é profundamente humana, até nas suas contradições. E o povo britânico (para não ir mais longe) identifica-se esmagadoramente com a Família Real como se fosse a sua.
Mas que isso não aflija os revolucionários de serviço: ao contrário das ditaduras progressistas, as monarquias são reféns da vontade popular, e assim persistiram ao longo dos séculos com uma extraordinária capacidade de adaptação. E perseverarão enquanto as nações permanecerem humanizadas, alicerçadas em famílias e em comunidades livres, a resistir ao individualismo radical, que tudo fractura e atomiza numa epidemia de microcausas, guerreando-se, enfim, numa barbárie que sempre espreita a oportunidade para vingar.
Em homenagem à era isabelina tudo e mais alguma coisa já foi dito nos jornais, rádios e televisões, e o assunto continuará a ser escalpelizado durante os próximos dias, pelo que duvido que aqui consiga dizer aqui alguma coisa de verdadeiramente original. Além da grande admiração que nutro pela rainha e pela coroa britânica, que no mundo se mantém estandarte dos valores ocidentais da liberdade e da democracia com que me identifico incondicionalmente, como monárquico, tem sido para mim particularmente reconfortante assistir, no debate que acompanha as impressionantes cerimónias, ao enorme consenso sobre a qualidade e pertinência das monarquias da velha Europa civilizada. Já é para mim um mistério por que domesticamente são tão poucos os que retiram daí as devidas ilações.
Impressionou-me particularmente a chegada do Rei Carlos III a Buckingham, no seu primeiro contacto com a população perplexa, após a morte da sua querida mãe. Sentia-se ali um misto de dor e de esperança na continuidade, personificada pelo novo rei. Uma projecção da transcendência aspiracional que é cimento das comunidades robustas. Impressionou-me adivinhar nessa multidão a grande diversidade de etnias e culturas que compõem por estes dias o Reino Unido e o enriquecem e que nem por isso deixaram de partilhar o mesmo sentimento de perda e a mesma confiança na continuidade.
Curioso é como o Reino Unido, que enfrentou tantos desafios trágicos e tormentas nos últimos 70 anos, se, por um lado, perdeu um império, afirmou-se como uma potência cultural no mundo inteiro, muito desproporcional ao seu peso geopolítico. E a mensagem subjacente, nas artes, na literatura, no desporto, na música popular, no audiovisual, vem sendo genuinamente boa: é de civilização.
O reinado de Isabel II, a Rainha global, deixa ao planeta inteiro esse legado. Já o Rei Carlos III tem todas condições para contribuir para que o Reino, Unido enfrente tal como o seu nome o indicia, as tempestades que se perfilam adiante daquela complexa realidade multinacional e multicultural: sejam os separatismos ou a crise económica que se espera que seja muito dura. Mas de quem tenho mais pena é das republiquetas revolucionárias do sul da Europa, que não souberam resistir ao canto das sereias dos revolucionários, convencidas que estão que é possível moldar a natureza humana e as suas afeições. Nem que seja à força.
Coitados de nós, que temos aquilo que merecemos.
*Ver o rei na sua força calma é ver a pátria com figura humana António Sardinha
A Real Associação de Lisboa é uma estrutura regional integrante da Causa Real, o movimento monárquico de âmbito nacional. Esta é uma associação que visa a divulgação, promoção e defesa da monarquia e da Instituição Real corporizada na Coroa Portuguesa, cujos direitos dinásticos estão na pessoa do Senhor Dom Duarte, Duque de Bragança e em quem legitimamente lhe vier a suceder. Cabe a esta associação a prossecução de iniciativas e de projectos de interesse cultural, social, assistencial e de solidariedade que visem a dignificação, a valorização e o desenvolvimento dos seus associados e da comunidade em que se insere.