O Aljube e os republicanos
Abordo hoje um assunto um pouco diferente do habitual, pois já não se pode dizer mais sobre a total falência do Estado, entre a irresponsabilidade dos partidos políticos e uma chefia de Estado que não podendo fazer nada, segundo o próprio, se auto constituiu chefe da oposição no recente discurso de tomada de posse. Quando precisávamos de uma palavra de esperança, ante tempos muito difíceis, veio de Belém uma veemente condenação por tudo o que foi e não foi feito, desde que o seu actual ocupante foi Primeiro-Ministro.
Os “nossos” republicanos escolheram o mês de Abril para inaugurar uma exposição na desactivada prisão do Aljube, invocando as más condições em que ali viveram alguns adversários do Estado Novo, desde a reduzida dimensão das celas, ao espaço destinado a visitas, sempre fiscalizado por elementos da Pide.
Quando aos visitantes são mostradas as iníquas condições em que alguns paladinos da partidocracia ali se encontraram, depois de terem sido apanhados a conspirar contra o regime, seria da mais elementar ética (?!!!) que se explicasse que também por ali passaram pessoas por motivos bastante mais “prosaicos”.
Ocorre-me a passagem por essas masmorras de uma minha tia-Avó, Dona Constança Telles da Gama, a quem presto hoje homenagem e cujo único crime consistiu em prestar ajuda humanitária a soldados dos mais diversos pontos do País que, às ordens de superiores hierárquicos, como é dever de qualquer militar, ali se encontravam presos, por haverem participado nas “Incursões Monárquicas”.
Explico-me melhor: alguns oficiais, sob o comando de Paiva Couceiro, entenderam manter-se fiéis ao juramento a que todos os militares eram obrigados, de combater pelo Rei e pela Pátria, e retiraram-se para a Galiza, de onde tentaram, por mais de uma vez, restituir o Trono a D. Manuel II. Decisão discutível, é certo, mas que competiu apenas aos oficiais. Quanto aos soldados sob as suas ordens, apenas foram culpados de respeito pelas hierarquias, o que os trouxe, após alguns desaires militares, às prisões de Lisboa.
A “criminosa” a que me refiro, ali esteve presa pelos republicanos, acusada de tentar minimizar o sofrimento desses presos anónimos, que se encontravam longe das suas famílias e nas mesmas condições (que não com as mesmas culpas) de que se queixam agora os antifascistas, pedindo e mobilizando pessoas amigas para lhes poder providenciar algumas roupas, medicamentos, tabaco (que ainda não era proibido), bem como estabelecimento de contacto com as famílias, já que muitos nem escrever sabiam.
Mesmo na prisão, não deixou de improvisar uma caixa de cartão que suspendeu das grades da sua cela, onde escreveu pelo seu punho “Esmolas para os meus presos políticos”, convidando os amigos que a visitavam a contribuir para a sua iniciativa humanitária. Acerca deste ético e democrático gesto republicano, sugiro a leitura de um opúsculo (de entre muitos que à data foram publicados), da autoria de Astrigildo Chaves, com o título “A neta do Gama no Aljube”.
Ter-se-ão lembrado, os promotores desta exposição, de evocar as vítimas da república que por lá passaram antes dos celebrados heróis anti-fascistas? Duvido…
Santa Páscoa
Dom Vasco Teles da Gama in Diário Digital (15-Abr-2011)