Maria Adelaide de Bragança van Uden, neta do rei D. Miguel, livrou-se da morte por Salazar
lhe ter concedido passaporte diplomático. Foi salva da deportação para a Sibéria
por ter ajudado comunistas austríacos. Quando regressou a Portugal, deparou com o despovoamento intelectual da classe dirigente. Um exemplo da convivência difícil de monárquicos e católicos com o regime nos anos 50.
A SAS Infanta D. Maria Adelaide por ocasião do seu 100º aniversário, com o sobrinho SAR D. Duarte de Bragança.
(...) Maria Adelaide de Bragança descobre o seu país. Um país pobre, de múltiplas carências. Visita as barracas de Porto Brandão, os galinheiros onde vivia a mão-de-obra nos primórdios da industrialização da margem sul. Cenários de muitas necessidades. De profunda miséria. Uma revelação que a incomoda. Lança uma obra social, à margem dos usos e costumes do regime. Com sentido prático e sem pose. Chamou-lhe Fundação Don Nuno Álvares Pereira. E descobre também o despovoamento intelectual do regime. Uma confrangedora falta de ideias e iniciativas para quem, nascida em 31 de Janeiro de 1912 em Saint-Jean-de-Luz, junto à fronteira hispano-francesa, sempre vivera na activa Europa central da primeira metade do século passado.
(...) O incómodo de Maria Adelaide tinha ainda outros motivos. Sendo neta de D. Miguel, portanto monárquica, via que o papel dos seus no regime de Oliveira Salazar não estava definido. "A política de Salazar jogou com monárquicos e republicanos, tentando reter o apoio dos monárquicos sem alienar os republicanos", refere o historiador Rui Ramos. Até porque, acrescenta, o ditador "não é monárquico nem republicano". Para ele, é indiferente a questão do regime que marcara o fim do século XIX e as primeiras duas décadas do século XX.A infanta também não desconhecia que uma hipotética restauração da monarquia não estava na agenda política do regime. Afinal, que o seu irmão Duarte nunca reinaria. "Salazar utilizou a divisão da família real entre miguelistas e constitucionalistas para conseguir o máximo consenso com o mínimo custo", alerta Ramos. E recorreu a um expediente tradicional, uma forma de controlo primária, mesmo grosseira mas eficaz. "Salazar teve sempre muito cuidado para que a família real não tivesse meios, de que nunca conseguisse ter autonomia financeira, pelo que não deixou que herdassem os bens de Dom Manuel", acentua. Em síntese: queria a realeza "dependente e vulnerável". (...)
In jornal Público. Artigo completo de Nuno Ribeiro aqui»»»»
António Ribeiro Ferreira com o amargurado cepticismo com que nos vem brindando nos seus editoriais do jornal i, hoje retoma en passant um assunto de vital importância para o nosso regime em acelerado estado de corrosão: a reforma do sistema político. Porque no meu entender o parlamento é o órgão de soberania plural e democrático por excelência, onde salutarmente se deveriam confrontar as diversas facções representativas de interesses e ideias, é trágico concluirmos que a famosa reforma nunca irá para a frente pela simples razão de os aparelhos partidários, velhos, desgastados, corruptos, clientelares, fechados, máquinas de emprego público e de muita cacicagem, não quererem assinar a sua sentença de morte. De resto desenganem-se os iludidos, que os restantes vértices do regime também são enfermos e não auguram nada de bom. Perante a borrasca que nos ameaça a todos, atente-se como se encontra comprometido o papel basilar da Chefia de Estado, não especialmente por causa da proverbial aselhice do actual inquilino de Belém, mas pela natureza fundacional do cargo. Se a sua legitimidade sufragada eleitoralmente, especialmente nesta conjuntura, impele à intervenção e confusão de narizes com o Executivo, a sua real falta de poderes denuncia a sua patética inutilidade. Compreende-se porquê os mais genuínos republicanos, vacinados pelo regime semipresidencialista que vigorava na monarquia constitucional, sempre dispensaram a figura do presidente, ou a tal “benigna ficção” como lhe chama Miguel Morgado. Hoje como nunca, a crise brutal que mina transversalmente toda a sociedade civil, apela à autoridade de uma voz (ou silêncio), independente, que seja ao mesmo tempo, representante dele próprio e de todos os que o antecederame do todo que somos como povo, resiliente realidade transgeracional com 900 anos de História. É trágico, mas o regime não oferece aquilo que nunca como hoje foi tão urgente: uma reserva moral a montante da espuma dos dias, figura independente e aglutinadora de motivação e esperança. Algo impossível a quem emergiu da guerrilha politica e da gestão dos clientelismos e ilusórias negociatas que conduziram o país ao presente abismo. Estamos de facto entregues à deriva e favores europeus, cujos ventos esperamos se nos revelem indulgentes para com a nossa miséria. Que jamais as guerras, regicídios ou revoluções dos últimos duzentos anos conseguiram mitigar.
Tem razão o João Ferreira do Amaral quando conclui, que Portugal não precisa de um chefe de Estado que assuma o propósito de fazer difícil a vida ao governo. E tem também razão o Pedro Adão e Silva quando lamenta a fragilidade política do presidente da república. Mas estas conclusões, ao invés de deverem inspirar o desejo de mudar quase nada, deviam guindar-nos para uma discussão mais profunda, mais substancial e, por isso, mais importante: a questão do regime. Nós podemos ir buscar às experiências estrangeiras as receitas para os nossos males. Sempre fomos mais atreitos a aceitar imposições externas do que seguir uma disciplina interna, mas não seria melhor olharmos para nós mesmos, para a nossa experiência política, para as nossas instituições históricas e procurar nelas essa inspiração? Que sentido fará eleger, por sufrágio directo e universal, o chefe de Estado, que assim carrega uma legitimidade em tudo idêntica à de outros órgãos de soberania? Não faria mais sentido que o chefe de Estado estivesse revestido de uma legitimidade diferente e historicamente qualificada? Não seria preferível termos um Chefe de Estado independente e que fosse, a cada passo, mais do que ele próprio? Que fosse ao mesmo tempo, ele e todos os que o antecederam? É que muito mais importante do que o poder - necessariamente sempre limitado- é a autoridade. E a autoridade do Rei é dos mais preciosos activos políticos.
Havia antigamente nas grandes casas umas figuras, masculinas ou femininas, de idade incerta e vestindo de cinzento ou preto, que davam pelo nome de governantas ou mordomos (ainda podemos vê-los em filmes de época ingleses), a quem eram confiadas todas as chaves da casa, que ostentavam com ar austero e grave, por onde quer que circulassem.
Tudo estava sob o seu controlo, desde o inventário de roupas e pratas, às existências da despensa, bem como o comando da criadagem, que era tratada em geral como soldadesca em presença de General. Passavam pelas jóias da Senhora sem as cobiçar, pelos charutos e pelos Porto Vintage do Senhor sem ponta de inveja, pelas pratas do "présentoir", pelo faqueiro e até pelos bifes e pelo caviar sem quaisquer deslumbramentos. Tutelavam, no fundo, a casa e velavam, com fidelidade canina, por cada um dos membros da família. Assumiam a missão com um voluntarismo e uma entrega que estavam muito para além de uma mera relação laboral.
A dedicação foi porém dando lugar a servilismo. Os Senhores deram lugar a Patrões e as governantas e os mordomos converteram-se em empregados. Mais qualificados, mas não especialmente mais dedicados do que os outros. Os nexos de honra foram substituídos por vínculos laborais. Este funcionalismo lida com os patrões com uma subserviência hipócrita. Ocupa-se mais com a gestão da sua imagem do que com a boa governança da casa. Se por acaso falta alguma coisa, isso só é problema se os patrões fizerem perguntas e, nessa circunstância, logo fazem rolar alguma emblemática cabeça, sem que, no entanto, a sua honorabilidade seja minimamente beliscada ou questionada. E os próprios patrões, desde que tenham cuidadas refeições, a horas na mesa, não se perdem com minudências.
Temos tido, na nossa Casa, sucessivas personagens destas que contratámos (por meio de votações que nunca corresponderam, em verdade, a uma autêntica livre escolha) e nós, que há muito abdicámos de ser Senhores sem que ao menos tenhamos aprendido a ser bons patrões, temos vindo a ser, há décadas, espoliados por estes funcionários a quem pagamos e que vão dispensando serviçais menores ao sabor das suas conveniências ou conivências, não sem antes lhes passarem cartas de referência para uma outra qualquer casa, não vão estes denunciá-los pelos seus pecadilhos.
Quem lhes pede hoje, a esses funcionários de zelo aparente, o inventário, as contas, as chaves e uma mínima responsabilidade? Quem? E lá continuamos de dez em dez anos a contratar, por meio de votos, um novo mordomo, de entre a criadagem antes despedida, provavelmente convencidos de que o sindicato dos mordomos tem sede em Portugal…
Foi por ocasião da apresentação da candidatura Lisboa Realista aos Órgãos Sociais da Real Associação de Lisboa que, no passado Sábado, várias dezenas de pessoas compareceram no Centro Nacional de Cultura, local de inegável simbolismo, inspirado pela memória de ilustres monárquicos como Fernando Amado, João Camossa e Henrique Barrilaro Ruas. A razão não era para menos, já que o orador convidado era o Professor José Adelino Maltez, conhecido politólogo e comentador político que depois de ter passado em revista vários factos importantes da história do movimento monárquico do Século XX, ofereceu a sua própria leitura sobre a vocação que devem assumir presentemente as estruturas monárquicas. Recordou que um Rei, mesmo sem poder, tem uma enorme autoridade e que é dessa autoridade histórica que o nosso país não devia prescindir. Lembrou ainda que é urgente restaurar a confiança entre todos os portugueses e o Duque de Bragança, o que se alcançará pela criação de uma efectiva rede de afectos.
Seguiu-se a exposição de Nuno Pombo, candidato a presidente da direcção da Real Associação de Lisboa para o próximo triénio. Constatou que existe um ambiente favorável à defesa da solução monárquica porque os monárquicos, reconhecendo embora a urgência da conjuntura, não perdem de vista a importância das instituições que nos representam. Frisou que Portugal nunca perderá a sua identidade mas lembrou que isso não nos poderia distrair da tarefa de velarmos pela nossa independência. estivesse assegurada. do que somos. Apresentou ainda as linhas mestras do exigente programa de acção, que assumiu ser de continuidade e a que chamou “nosso compromisso”, colocando-se ao serviço da promoção do prestigio e notoriedade da Casa Real Portuguesa, reserva moral e intemporal da Nação. Foram por fim lançados dois reptos aos associados: o de comparecerem na Assembleia Geral do próximo dia 25 e o de fazerem parte da resposta a dar aos exigentes desafios que a Real de Lisboa tem pela frente.
Várias dezenas de monárquicos encheram a sala Fernando Pessoa no Centro Nacional de Cultura
Nesta conjuntura, cumpre-nos continuar a mobilizar os portugueses para a defesa da autonomia do Estado português, o que hoje significa pugnarmos pela saída da Zona Euro e do buraco mediterrânico a que nos destinaram.
Não podemos continuar agarrados à miragem de uma contrição dos partidos pecadores, exigindo-se-nos a reivindicação clara de um programa de restauração da República em bases populares.
No caso de um súbito agravamento da crise nacional, temos hoje presidentes de Junta de Freguesia eleitos que podem vir a assumir uma ruptura com as oligarquias partidárias reunindo em Assembleia Nacional Constituinte.
I.
O período da hegemonia mundial das potências europeias, iniciado em 1500, entrou em colapso durante as chamadas “descolonizações”, desde o Médio Oriente até à África (1955-1975), para vir a ficar aparentemente concluído, em 1991, com a desagregação da URSS. Porém, dois anos depois, passando a vigorar o tratado de Maastricht, levantou-se a possibilidade da UE poder vir a ter capacidade para contrabalançar a hegemonia dos EUA. Os EUA tinham já deixado de reprimir os nacionalismos europeus e podemos estar agora a assistir ao estertor final do projecto de Maastricht.
Com o tratado de Maastricht, o “projecto Europeu” passou a estar sob o domínio do “directório franco-alemão”, mas é possível que a actual crise da Zona Euro, que não é apenas financeira e económica, venha a danificar seriamente a sua coesão. O que me parece hoje claro, é que a actual crise da Zona Euro levou o projecto de Maastricht para um abismo do qual só muito dificilmente sairá incólume.
Com o fim do projecto de Maastricht, uma nova era mundial pós-europeia pode vir a ter condições para despontar, mas estamos ainda em fase de transição muito indefinida e incerta: os EUA continuam a ser a mais poderosa potência mundial, mas sem ser omnipotente; a Rússia está a recuperar do colapso da URSS, mas continua em busca de um lugar correspondente ao seu poderio; a China tem vindo a emergir no seio de um sistema económico-financeiro e político internacional que não controla; o Brasil e a Índia estão também em emergência, mas permanecem algo indefinidos quanto à configuração de um novo equilíbrio global de poderes.
No espaço da Eurásia, e em particular na península a que chamam “Europa”, não é ainda claro o que vai resultar do colapso do projecto de Maastricht.
A criação da Zona Euro surgiu na sequência lógica de Maastricht, mas foi criada para mitigar os receios da França perante a reunificação alemã. A ideia era a de que a França poderia beneficiar da riqueza de uma Alemanha que não voltaria a estar em posição de ferir os interesses dos outros Estados europeus. A Alemanha reunificou-se e, não obstante a sua retórica em prol do “projecto Europeu”, começou a actuar como um verdadeiro Estado, não gostando que outros falem por si e menos ainda que obtenham vantagens à sua custa. A partir de 2008, ao começar a desenhar-se a crise das dívidas soberanas, a Alemanha passou a utilizar a sua superior posição económica e financeira para obter vantagens políticas no quadro institucional da UE (através do FEEF), com claros desígnios de intrusão nas soberanias residuais dos Estados da Zona Euro. Para os Estados periféricos, permanecer na Zona Euro significa hoje a aceitação de uma ditadura orçamental definida em Berlim, uma austeridade que conduz à sua asfixia económica e a posterior venda, a preço de saldo, de participações em empresas estratégicas. Nas últimas semanas, com o agudizar das crises na Grécia e na Itália, a intrusão e a chantagem subiram de conteúdo e de tom: os governos dos periféricos terão de ser de tecnocratas, em “união nacional”, sob pena de uma “Europa a duas velocidades”. Arcus nimis intensus rumpitur, diziam os latinos - o arco muito retesado quebra.
Entretanto, mesmo que o arco não venha a quebrar, a Alemanha tem estado em claro processo de acomodação com uma Rússia que, depois da guerra na Georgia, espreita oportunidades para a construção da “Casa Comum Europeia” anunciada por Gorbatchov na “Perestroika”. Qualquer que venha a ser o desfecho da presente crise da Zona Euro, é muito provável que o eixo do poder das potências Europeias se desloque para Leste: o eixo franco-germânico tenderá a perder terreno face ao eixo germano-russo.
A França, que queria prender a Alemanha através do Euro, está assim hoje numa encruzilhada e tem permanecido uma incógnita, mas pode vir a sair da esfera alemã e, apoiando-se no Grupo de Visegrado e na Espanha, voltar-se-á para o Mediterrâneo.
A Europa está a caminhar para novos equilíbrios, havendo dois outros Estados com capacidade para influenciar a sua balança de poderes: a Polónia e o Reino Unido. A Polónia tem um mercado interno suficiente para não se deixar submeter à esfera de influência alemã e vai decerto continuar a buscar aliados no Atlântico. O Reino Unido não vai deixar de querer manter-se como uma potência com aptidão para uma projecção global e vai decerto contar com a “Aliança do Norte”.
Na nova configuração de poderes em emergência na Europa, a situação de Portugal na península ibérica tenderá a tornar-se cada vez mais periclitante. A Espanha, muito fortalecida interna e geopoliticamente pelo restabelecimento da Instituição Real na chefia do Estado, vai continuar a ser uma potência com capacidade para se projectar simultaneamente no Mediterrâneo e no Atlântico: no Mediterrâneo, não deverá hostilizar a França; no Atlântico, tenderá a explorar cada vez mais as nossas fraquezas. Após a crise, creio que a Espanha se vai manter com capacidade para vir a integrar económica e politicamente Portugal e mesmo para vir a concorrer com o Brasil no espaço económico da lusofonia.
Em obediência ao projecto de Maastricht, os principais partidos da área da governação (PS e PSD), submetidos às respectivas internacionais partidárias, aceitaram que Portugal ficasse integrado na periferia mediterrânica da Europa, como satélite da Espanha, se bem que numa península ibérica ideal e integralmente submetida a Bruxelas.
Nas últimas décadas, a desatenção de sucessivos governos à sustentabilidade do Estado português, permitindo a destruição de parte substancial da nossa economia (agricultura e indústria) a par de um crescente endividamento externo, conduziram-nos a uma situação de extrema fragilidade. O Estado português está hoje, em obediência ao programa de governo da “troika”, no caminho do suicídio.
A política e a acção dos partidos da área da governação está a pôr em causa a sustentação do Estado português, mas a verdade é que a fronteira com a Espanha ainda é visível nos mapas e, mais importante, continua a haver uma clara maioria de portugueses favorável à nossa autonomia e liberdade.
Nesta conjuntura, creio que nos cumpre continuar a mobilizar os portugueses para a defesa da autonomia do Estado português, o que hoje significa, em termos práticos, pugnarmos pela saída de Portugal da Zona Euro e do buraco mediterrânico a que nos destinaram.
Os realistas portugueses têm que tomar consciência de que não haverá uma Restauração de Portugal sem que antes se realize a restauração da República. A restauração da República é condição prévia, e a base mais segura, a partir da qual os portugueses podem vir a recolocar a Instituição Real na chefia do Estado. Tal como escrevi em 1996 (in “Consciência Nacional”), por ocasião do baptismo do Príncipe Afonso de Santa Maria, “a virtude de uma República restaurada será a de esta ser capaz de se exprimir nos seus mais fundos anseios e aspirações, escolhendo dentre si os seus representantes e pondo à cabeça a sua instituição mais representativa — a Realeza. Só colmatando esse duplo défice de representação — na base e no topo — se poderá fazer a restauração de Portugal.”
O edifício do Portugal Restaurado ter-se-á que levantar começando pelos alicerces; a restauração da República é a nossa prioridade máxima. Se os portugueses não conseguirem restaurar a república, isto é, se o povo organizado não conseguir subtrair o controlo do Estado ao domínio absoluto das oligarquias partidárias, o Estado português pode vir a desaparecer na voragem dos acontecimentos, em submissão total a poderes estrangeiros.
Não excluo a hipótese de uma implosão dos partidos do regime, mas não podemos perder de vista que, no essencial, os partidos políticos em Portugal têm sempre olhado primeiro para o seu próprio interesse e, só depois, muito depois, para o interesse dos portugueses. É o que a História destes dois últimos séculos nos ensina e que nos cumpre divulgar mais e melhor.
II
O processo de apropriação do Estado pelas oligarquias partidárias iniciou-se na década de 1820, acabando por vencer e consolidar-se após duas intervenções militares estrangeiras (guerras civis de 1831-34 e 1846-47). O primeiro saldo foi terrível: a perda do Brasil, milhares de mortos e a economia nacional destroçada.
Depois de 1851, na chamada “Regeneração”, as oligarquias dos partidos tinham já quase domínio absoluto sobre o Estado. A política dos “melhoramentos materiais” – durante o Fontismo - , quanto à substância e quanto aos efeitos, não foi muito diferente da política do Cavaquismo que marcou estas últimas décadas de integração europeia. Como é que as oligarquias políticas do período da “Regeneração” resolveram as crises financeiras da segunda metade do século XIX? Em verdade, não as resolveram, mas aproveitaram-nas para virem a desenvencilhar-se, em 1910, do último obstáculo ao seu domínio absoluto do Estado - a Instituição Real.
Seguiram-se os anos de “balbúrdia sanguinolenta” da 1ª República profetizados por Eça de Queirós, até que a “Grande Depressão” levou as oligarquias partidárias a fundirem-se num só partido e a institucionalizarem, na prática, uma Ditadura. O problema das finanças públicas ficou então resolvido, mas sem libertar a sociedade civil do espartilho do Estado.
O segundo pós-guerra ofereceu às oligarquias, reunidas sob a protecção de um autocrata, óptimas oportunidades para negócios e excelentes condições para o desenvolvimento da economia, mas persistiram atados a uma visão sem futuro, acabando por desbaratar séculos de vivência ultramarina na miragem de uma “Nação Una” de Minho a Timor. Cumpre-nos lembrar que, na década de 50, ao recusarem o restabelecimento da Instituição Real na Chefia do Estado, não só travaram o lançamento de uma Comunidade de Estados Lusófonos – ideia que, em 1959, D. Duarte Nuno de Bragança, apoiou expressamente - como colocaram os territórios ultramarinos sob administração portuguesa à mercê de antigos e insaciáveis apetites estrangeiros.
Após a derrota de Portugal na ONU, do golpe de Estado em Lisboa e do subsequente abandono do Ultramar, as oligarquias conseguiram firmar-se no retorno ao pluripartidarismo, agora em subserviente obediência às centrais político-ideológicas europeias. O resultado da sua acção governativa nas últimas décadas, ficou nestes últimos anos à vista de todos, provocando a indignação dos portugueses, que têm vindo a deixar de votar, ou a anular o voto, tanto nas eleições presidenciais como nas eleições parlamentares.
III
A crise de legitimidade do actual regime partidocrático é insofismável, atingindo hoje a consciência da maioria dos portugueses. Julgo que não podemos continuar agarrados à miragem de uma contrição dos partidos pecadores, exigindo-se-nos a reivindicação clara de um programa de restauração da República em bases populares.
Nos últimos anos, várias personalidades oriundas do próprio regime têm vindo a público pugnar por alterações no sistema de representação política, reclamando quer o estabelecimento de círculos uninominais quer o fim do monopólio da representação por intermédios dos partidos ideológicos.
Em abstracto, tendo apenas por base o princípio da aproximação entre eleitos e eleitores, a reivindicação dos círculos uninominais tem pertinência, mas não podemos perder de vista que uma representação exclusivamente baseada em círculos uninominais, acarretaria uma diminuição do pluralismo ideológico e, após dois séculos de tão forte centralismo estatal em regime oligárquico, poderia vir a propiciar a disseminação de caciquismos de base local ou regional.
Creio que nos devemos centrar na luta pelo fim do monopólio da representação por intermédio de partidos ideológicos, colocando-a na obediência ao princípio da subordinação do sufrágio inorgânico ao sufrágio orgânico. Em concreto, entendo que se deve pugnar pela subordinação da representação dos partidos ideológicos (sufrágio inorgânico, universal, de preferência em círculo único) a uma representação proveniente dos municípios (sufrágio orgânico, local).
Na minha perspectiva, a República poderá vir a ser restaurada através de um sistema bicamaral de representação, com uma Câmara Baixa de partidos político-ideológicos e uma Câmara Alta de representação dos municípios. A Câmara Baixa deverá ser o órgão legislativo e a Câmara Alta o órgão referendário das leis gerais do Estado, dos programas de governo e dos orçamentos. Em palavras simples e directas, direi que se trata de forçar os partidos político-ideológicos a encontrarem soluções que respondam aos anseios e às necessidades do país real representado através dos seus Municípios. Impõe-se pôr fim a este ciclo de destruição nacional, no qual os políticos dos partidos se têm limitado a procurar seduzir a massa ignara dos que ainda votam.
Estando ainda muito disseminada a superstição do sufrágio, julgo que a escolha dos representantes dos Municípios para a Câmara Alta poderá vir a ser feita por uma eleição realizada entre os presidentes de Junta de Freguesia, mas haveria vantagem em disseminar a memória das nossas antigas práticas de democracia concelhia, em que os pelouros de administração eram sorteados entre os seus homens-bons. O ideal seria que a referida Câmara Alta viesse a ser constituída por presidentes de Junta de Freguesia sorteados nos respectivos Municípios. Os actuais presidentes de Junta de Freguesia, que correspondem afinal aos nossos antigos homens-bons dos Concelhos, poderiam também vir a fazer entre si o sorteio dos órgãos de administração municipal, distrital ou regional.
Em dois séculos de História, a exclusividade do sufrágio inorgânico e o monopólio da representação por intermédio de partidos ideológicos, já deu bastas provas de que não é capaz de servir o bem comum dos portugueses.
IV
A exemplo do que tem vindo a acontecer na Grécia, a crise da Zona Euro pode também vir a provocar em Portugal graves problemas de ordem pública. Não é de excluir que, com o aprofundar da crise, venham a surgir tumultos, situações de desobediência civil e mesmo acções violentas concertadas, propiciadoras de situações insurrecionais.
Em tal ambiente, e sendo a via referendária ou plebiscitária a que tem a maior e a mais expedita capacidade de resolução nas grandes questões do Estado, não é de excluir que as oligarquias políticas a venham a utilizar para uma entrega aberta ou dissimulada a centros de poder estrangeiros: os referendos são em regra ganhos por quem detém o poder no Estado e/ou nos meios de comunicação. Eis uma razão acrescida para insistir nas virtudes da democracia orgânica e da representação de base municipal: no caso de um súbito agravamento da crise nacional, temos hoje presidentes de Junta de Freguesia eleitos que podem vir a assumir uma ruptura com as oligarquias partidárias reunindo em Assembleia Nacional Constituinte.
Restaurada a República, isto é, libertada a República do monopólio da representação por intermédio de partidos, confio que a nação portuguesa, de novo senhora dos seus destinos, compreenderá e reclamará a Instituição Real para a chefia do Estado, para assumir as supremas magistraturas da Justiça, Forças Armadas e Diplomacia.
Com a Instituição Real na Chefia do Estado, não só asseguraremos a nossa esplêndida fronteira com a Espanha como estaremos em condições de lançar em sólidas bases histórico-culturais uma fecunda Confederação de Estados Lusófonos.
Na babilónia de ideias e de conceitos do actual debate “República versus Monarquia”, eu quero afirmar aqui, sem qualquer subterfúgio, que não sou Monárquico! A Monarquia terminou em 1820 e não a quero de volta. E não quero também de volta a Monarquia que lhe sucedeu, a chamada “Monarquia Constitucional”, derrubada em 1910. Vivo bem, e creio que os meus concidadãos também vivem bem, sem a verídica Monarquia do século XVIII e sem a Monarquia com alcunha do século XIX. Sou pela República! Sou republicano! Sou aliás visceral e radicalmente republicano! A República ( Res publica ou Coisa pública) tem, entre nós, uma longa e nobre tradição, bem viva antes do século XVIII. É com essa Tradição que me identifico. Eis o que nos diz Duarte Nunes de Leão na “Crónica del-Rei D. Fernando”: “em cortes que para isso ajuntou fez algumas leis muito úteis à república, e naqueles tempos muito necessárias.” Na orientação que traçou para o seu reinado, escreveu o rei D. Sebastião numa das suas “Máximas”: “Gavar os homens, e cavaleiros que tiverem bons procedimentos, diante de gente, e os que tiverem préstimo para a República e mostrar aborrecimento às coisas a ela prejudiciais”. Depois da Restauração de 1640, exarou o Doutor Vaz de Gouveia na “Justa Aclamação”: “o poder dos reis está originariamente nos povos e nas repúblicas, que delas o recebem por forma imediata.” Não julgo ser necessário alongar aqui as citações comprovativas da República portuguesa ao longo dos séculos, mas cumpre lembrar que foi quando as Cortes deixaram de reunir, no século XVIII, que começou a haver cada vez mais Monarquia em Portugal. Depois, a temática política do século XIX tratou de inventar o antagonismo, colocando, de um lado, os chamados “monárquicos” e, do outro, os chamados “republicanos”. Os primeiros diziam defender o Rei, os segundos defender a Res publica. Estava instalado um pernicioso divórcio. Em abono da verdade, os republicanos tinham motivo para classificar os seus adversários como monárquicos. Não eram outra coisa ou, melhor, eram apenas isso. Pouco lhes importava o bem da Res publica, da Coisa pública. Quando o republicanismo se tornou consciente e organizado, os seus adversários, se bem que adoptando a alcunha de constitucional, aceitaram de bom grado a qualificação de monárquicos. Diziam defender o Rei e era, com efeito, à sombra do poder do monarca, à sombra do suposto “poder de um só”, que eles usufruíam das benesses do poder do Estado. E foi só quando o Rei D. Carlos se opôs à rapina que a coisa deu para o torto. Por isso o mataram e, depois de derrubada a Instituição Real, só às atenções mais distraídas causou escândalo a adesivagem em massa que os ditos monárquicos fizeram à novel “República”. Tinha sido feita uma mudança de tabuleta na mesma droga e não foi difícil abrigarem-se nela. Estamos nisto vai para mais de um século. Hoje, o que me separa de um “soi-disant” republicano, mas de um republicano que queira mesmo o bem da República, é fundamentalmente isto: ele quer para a República um presidente eleito; eu quero que a República remate pela chefatura dinástica de um Rei. Ele defende a Presidência da República; eu defendo a Instituição Real na chefia do Estado.
Detesto o politicamente correcto que até se diz contra o politicamente correcto, para ver se acerta na corrente do pensamento único que diz não o ser. É por isso que sou contra o situacionismo politiqueiro que, da esquerda menos à direita menos, não consegue compreender que só há verdadeira política que antes seja metapolítica. Isto é, que seja crença, ideologia, doutrina ou valores. Porque, no princípio, estão os princípios. Nada há de mais reaccionário do que um pretenso modernizador que proclame a tradição como o olhar para trás, quando só a partir das raízes pode haver progresso. Só as coisas verdadeiramente antigas é que não são antiquadas. As outras são modas que passam de moda.
A esquerda tem tradição. A direita tem tradição. O pretenso meio-termo do centrão, isto é, o discurso dominante nos últimos governos que se dizem de esquerda e que dizem de direita, não é fiel ao essencial daquele ponto fixo do centro excêntrico a partir do qual se pode mudar Portugal e a Europa. Basta que a tradição de esquerda se federe com a tradição de direita num acordo regenerador e refundacional, mesmo que se estabeleçam os campos do desacordo. Costumo chamar liberal a essa atitude. O liberal não é o liberalóide. Detesta contrafacções e não gosta de sucedâneos
Estamos à beira de uma alteração radical das circunstâncias, por causa da crise grega. Porque mesmo que não aconteça nada, continuaremos entre o tudo e o seu nada. Com a seriedade da abolição do feriado do Carnaval. O tal que nunca existiu, mas que simplesmente era tolerado, quando ainda se picava o ponto e se gozava a ponte.
Os homens de acção, quando destituídos de fé, jamais acreditaram noutra coisa que não fosse o dinamismo da acção. A frase é de Albert Camus. Pode aplicar-se à cultura organizacional do situacionismo jota e jeans.
A pior coisa da esquerda dominante de outrora foi gerar esta direita que lhe convinha. E entre pilares desta ponte do tédio, lá continuamos imbecilizados. Os canhotos e endireitas lá continuam em hemiplegia moral, não se apercebendo que são meros fantoches dos bonzos de sempre.
É por isso que recordo uma mulher, 60 anos de trono, 16 países. Uma rainha. Um contrato de gerações, para além dos Estados. Um problema para quem não compreende a tradição. Nem a macropolítica. Não cabe numa folha Excel. Nem num regulamento de manga de alpaca feito notável da treta.
MANIFESTO: INSTAURAR A DEMOCRACIA, RESTAURAR A MONARQUIA
Vivemos dias dificeis. Todos o sabemos. Mas isso não serve nem chega. Se a resignação é inútil, a indignação sem objectivo não é um valor em si. É tempo de fazer. É tempo de escolher como fazer.
Fazer o diagnóstico das nossas fraquezas é fácil e não é mais do que reiterar o óbvio ululante. Dar uma esperança real é o mais dificil: perante o preocupante enfraquecer das estruturas democráticas; a visível delapidação dos valores morais na política; o estado caótico da nossa justiça e a sua aparente dependência das mais diversas forças de influência; e finalmente (e provavelmente o mais importante) uma ameaça de perda de soberania - os portugueses não têm razões para confiar no seu futuro.
Nós, cidadãos portugueses, com as mesmas preocupações com que todos vivemos, queremos dizer: há alternativa. Há soluções que contêm valores. É isso que nos une. É isso que nos move. É isso que propomos.
Perante um regime em liberdade mas em que a verdadeira democracia está ausente, torna-se urgente uma chefia de Estado independente e supra-partidária. Isto só pode ser garantido, zelado e velado por um chefe de Estado eleito pela história. Alguém que, ao olhar para trás, perceba as pegadas históricas e que nos diga de onde viemos. Alguém que, ao olhar para a frente, veja uma continuidade e não uma ruptura episódica, ditada por interesses partidários presos apenas ao espírito do tempo. Alguém que una e não exclua. Um Chefe de Estado que esteja ao serviço da Nação e que não se sirva dela. Portugal precisa de uma Monarquia. Portugal precisa de um Rei.
Nós, democratas de sempre, apelamos a uma séria discussão em torno da nossa chefia de Estado. Apelamos a que exista uma mobilização da sociedade civil em torno do debate sobre o regime que, há uma centena de anos, foi imposto ao nosso povo pela lei das armas e precedido de um grave homicídio, que nunca foi julgado. Democratas de sempre, não aceitamos que uma chefia de Estado se legitime na espuma de dogmas passados e vontades impostas, em que ao povo português continue a ser negada a possibilidade de escolher um futuro possível e digno. A razão democrática e a justiça histórica abona a favor dos nossos príncipios. Da nossa verdade.
Acreditamos que o Senhor D. Duarte de Bragança - único e legítimo pretendente ao trono português - poderá dignificar a chefia de Estado portuguesa. Pela história que representa e que nos une. Pela liberdade que garante a ausência total de facturas a qualquer eleitorado ou clientela.
Nós, mulheres e homens livres, empenhados cidadãos portugueses, das mais diversas tendências políticas e partidárias, com os mais diversos credos religiosos, decidimos dar mais este passo para que esta esperança se realize. Acreditar que temos uma agenda ideológica seria negar a independência que nos junta em torno de uma chefia de Estado. Que nos une pela diversidade e não pela opinião política. A política é uma coisa, o Rei é outra. Esta é a questão.
Portugal só poderá ser universal se as instituições mantiverem a credibilidade histórica.
Nós, monárquicos, portugueses e democratas de sempre não desistimos de Portugal.
A Real Associação de Lisboa é uma estrutura regional integrante da Causa Real, o movimento monárquico de âmbito nacional. Esta é uma associação que visa a divulgação, promoção e defesa da monarquia e da Instituição Real corporizada na Coroa Portuguesa, cujos direitos dinásticos estão na pessoa do Senhor Dom Duarte, Duque de Bragança e em quem legitimamente lhe vier a suceder. Cabe a esta associação a prossecução de iniciativas e de projectos de interesse cultural, social, assistencial e de solidariedade que visem a dignificação, a valorização e o desenvolvimento dos seus associados e da comunidade em que se insere.