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BLOGUE REAL ASSOCIAÇÃO DE LISBOA

Uma nova cruzada nacional

(Igreja de São Vicente de Fora, 1 de Fevereiro de 2024)

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Homilia na Missa por S. M. F. El-Rei D. Carlos I e pelo Príncipe Real D. Luís Filipe

  1. Introdução e cumprimentos. Na primeira leitura da liturgia da palavra desta quinta-feira da quarta semana do tempo comum, o Rei David, na iminência da sua morte, faz as suas últimas recomendações a seu filho Salomão, que lhe sucederia no trono de Israel.

A circunstância de hoje a Palavra de Deus nos falar de um monarca e do seu filho e herdeiro no trono real, não é certamente fortuita, mas providencial, pois convém perfeitamente a esta celebração, no aniversário do atentado em que pereceram Sua Majestade Fidelíssima El-Rei D. Carlos I e o seu filho primogénito, Dom Luís Filipe, o Príncipe Real. É ante a memória de ambos que agora nos curvamos, em homenagem ao seu sacrifício por Portugal, sufragando as suas almas, mas solicitando também a sua intercessão pelo País por que derramaram o seu sangue e, em especial, pela Família Real, que os representa e nos honra com a sua presença nesta comemoração. 

Antes de prosseguir, permitam-me que em meu nome e no de toda esta assembleia, cumprimente Suas Altezas Reais, os Senhores Duques de Bragança, bem como o Senhor Príncipe da Beira e demais membros da Família Real. Uma palavra de agradecimento ao Presidente da Real Associação de Lisboa, pelo reiterado convite para presidir a esta celebração, e à Causa Real, aqui representada pelo Secretário da sua Direcção. É da praxe saudar também as delegações das Ordens dinásticas de Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa e de Santa Isabel, bem como da Soberana e Militar Ordem de São João, dita de Malta, e da Ordem de Cavalaria do Santo Sepulcro de Jerusalém. Também cumprimento os membros das Ordens Constantinianas de São Jorge. A todos os Cavaleiros e Damas agradeço a piedosa presença neste acto, bem como aos restantes fiéis. Unidos pela fé que todos professamos e irmanados pelo amor à Pátria, na saudosa lembrança do penúltimo Rei de Portugal e do Príncipe Real, recordamos igualmente a Rainha Dona Amélia e El-Rei D. Manuel II, de tão grata memória. 

  1. O mistério da morte, à luz da fé. Para nós, cristãos, a morte não existe: “Deus não é Deus de mortos, mas de vivos, porque para Ele todos estão vivos” (Lc 20, 38). A morte mais não é do que a transição, a porta, passagem, ou páscoa, entre o aquém e o além, a vida no tempo e no espaço e a existência na eternidade. Os que morreram na graça de Deus, transitaram para a glória da bem-aventurança eterna e, portanto, já não carecem dos nossos sufrágios. Os que infelizmente se condenaram, não podem beneficiar das nossas orações, nem interceder por nós, mas os que morreram arrependidos, mesmo que com pecados leves, ou veniais, podem aproveitar as nossas orações e as indulgências que a Igreja oferece pelos fiéis defuntos. 

Queremos crer que as pessoas reais que foram vítimas do regicídio, já não precisam das nossas orações, porque o supremo sacrifício das suas vidas foi decerto suficiente expiação de todas as suas faltas. Mas talvez os regicidas, mesmo que arrependidos do hediondo crime tão cobardemente cometido, precisem das nossas súplicas, como todos nós precisamos também, insistentemente, da misericórdia de Deus, como amiúde nos recorda o Papa Francisco. Na oração que o Senhor nos ensinou, pedimos recorrentemente: “perdoai-nos as nossas ofensas, assim como nós também perdoamos a quem nos tem ofendido” (Mt 6, 12). Que Deus tenha piedade das suas almas e lhes conceda, pela sua infinita misericórdia, o perdão de que carecem. A História não os pode absolver da terrível culpa contraída no regicídio, mas Nosso Senhor Jesus Cristo, que é Senhor da História, também por eles intercedeu quando, do alto da Cruz, rezou: “Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem” (Lc 23, 34). 

  1. Uma crise moral. “Ao aproximar-se o dia da sua morte, David ordenou a seu filho Salomão: ‘Vou seguir o caminho de todos os mortais. Tem coragem e procede como um homem. Guarda os mandamentos do Senhor, teu Deus. Segue os seus caminhos, cumprindo os seus preceitos, estatutos, normas e decretos, conforme está escrito na Lei de Moisés” (1Rs 2, 1-3).

Na iminência da partida do Rei David, os seus conselhos não são de índole política, nem versam sobre questões económicas. Não tem receitas mágicas sobre como o filho deve exercer o poder, nem lhe oferece fórmulas técnicas que assegurem a prosperidade de Israel. De que versa, então, o seu testamento? Apenas e só de exigências éticas, porque a principal virtude do governante há-de ser a sua exemplaridade moral. 

Um tal programa não peca por ingénuo porque, se Salomão assim proceder, será bem-sucedido em todas as suas obras e empreendimentos e o Senhor cumprirá a promessa que fez a seu pai, o Rei David: “se os teus filhos procederem bem e caminharem fielmente na minha presença, com todo o coração e toda a alma, nunca te faltará um descendente no trono de Israel” (2Rs 2, 4). 

Muito se tem falado e escrito sobre a crise política que vive o nosso país, neste momento da sua História. São notórias as graves deficiências do Estado social, sobretudo no que se refere à Saúde, à Educação e à Justiça. Mas o principal déficit da nossa sociedade, meio século decorrido sobre o golpe de Estado que pôs termo ao Estado Novo, é, na realidade, de ordem moral. Com efeito, na génese desta crise política, que levou à dissolução do Parlamento e à queda do Governo, está um escândalo originado por comportamentos éticos reprováveis. Estes factos atingiram não apenas os principais titulares dos cargos executivos, agora demissionários, mas também a honorabilidade do próprio regime, de que a corrupção parece ser a regra e a conduta impoluta, a honrosa e cada vez mais rara excepção. 

Os romanos distinguiam, com sábia intuição, a potestas da auctoritas: enquanto o poder é o exercício das competências inerentes ao cargo, a autoridade é a estatura moral do seu titular. Se o poder dimana da organização política e administrativa do Estado, a autoridade decorre da elevação ética de quem, com o seu exemplo, se impõe como uma referência moral. O tirano exerce o poder de que está investido, mas só tem verdadeira autoridade aquele que, pelo seu saber e exemplo ético, se impõe como modelo. 

  1. Uma nova cruzada. Portugal precisa de uma nova cruzada moral, um movimento nacional que devolva ao nosso país a dignidade perdida. 

O regime político anterior ao 5 de Outubro de 1910 não era perfeito, como nenhum o pode ser, porque todos são humanos e falíveis. Mas tinha, na pessoa do Rei, uma referência de integridade moral e de espírito de serviço à causa nacional. O monarca unia, na sua real pessoa, o poder institucional e a autoridade decorrente da sua exemplaridade moral, sobretudo no desempenho do seu poder de moderação. Ante a voragem dos políticos, por vezes mais interessados em se servirem da causa pública do que servirem o interesse nacional, el-Rei D. Carlos foi um exemplo de dedicação sacrificada e de desprendimento de qualquer interesse pessoal. Não tinha outro propósito que não fosse servir Portugal, tanto no plano interno como no da sua representação internacional, onde o nosso penúltimo monarca granjeou um merecido prestígio.        

Não há modelos políticos ideais, mas há melhores e piores soluções. Seria impróprio de uma homilia fazer juízos de natureza política, mas há dados éticos objectivos, que podem ser aqui invocados, sem perigo de incorrer numa escandalosa politização de uma função sagrada. 

  1. A exemplaridade cristã da nossa Família Real. Logo na sua primeira dinastia, a nossa História celebra três Infantas, filhas de el-Rei D. Sancho I, que alcançaram a bem-aventurança celestial: as Beatas Teresa, Sancha e Mafalda. É também figura cimeira dessa etapa fundacional, a nossa Rainha Santa Isabel que, embora de naturalidade aragonesa, foi portuguesa pelo seu casamento: foi, de facto, em Portugal que foi Rainha e Santa, ‘mais Rainha, porque Santa e mais Santa, porque Rainha’, no inspirado dizer do nosso excelente Padre António Vieira. 

Foi também um santo que esteve na origem da dinastia de Aviz: embora D. Nuno Álvares Pereira, o Santo Condestável, não fosse membro da Casa Real, pelo casamento da sua única filha, com o primeiro Duque de Bragança, é origem desta Casa ducal que, desde 1640, é também a nossa Casa Real. Igualmente merece especial menção o chamado Infante Santo, que o não foi oficialmente, mas sim na voz do povo, que alguns dizem ser também voz de Deus. Desta segunda dinastia, como não lembrar ainda a nossa Santa Joana Princesa, a Infanta que a cidade de Aveiro tanto se orgulha em ter por principal padroeira?! Ela é mais um sinal do elevado padrão ético que, desde sempre, foi timbre da Casa Real portuguesa. 

Com a restauração da independência nacional, que em termos jurídicos formais nunca se tinha perdido, pelo facto da união das duas principais coroas ibéricas ser apenas pessoal, o então Duque de Bragança, D. João, que foi o quarto Rei do seu nome, não apenas consagrou o reino a Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa, vizinha do seu paço ducal, como na sua virginal e imaculada fronte cingiu a coroa real que, desde então, os Reis de Portugal não mais usaram. A D. Maria I, dita a piedosa, se ficou a dever a magnífica Basílica da Estrela, onde jaz, e que é a primeira igreja no mundo dedicada ao Sagrado Coração de Jesus, quando esta devoção era ainda inédita no culto católico. 

É nesta gloriosa tradição que se inscrevem também os nomes de el-Rei D. Carlos I e do Príncipe Real D. Luís Filipe. Não foram mártires, no sentido teológico do termo, mas decerto que o seu sacrifício não foi alheio à sua fé católica. Eles cumpriram a profecia que também se aplicou a Nosso Senhor Jesus Cristo, quando d’Ele Caifás disse que convinha que um homem morresse pelo bem de todo o povo (cf. Jo 18, 14). Neles se realizou plenamente a condição que afere a maior caridade, pois “não há maior amor do que dar a própria vida pelos seus amigos” (Jo 14, 13). É verdade que foram vítimas de um vil atentado, mas também o foi o nosso Mestre e Senhor que, não obstante, pôde dizer de si mesmo, a propósito do bom pastor: “Se o Pai me ama, é porque dou a minha vida para outra vez a assumir. Ninguém ma tira, mas eu por mim próprio a dou, e tenho poder de a dar e de a reassumir” (Jo 10, 17-18). 

  1. Exemplos de santidade em outras Casas Reais. Esta estreita relação entre a monarquia lusa e a santidade cristã tem paralelo em outras Casas Reais: os castelhanos celebram o Rei São Fernando; os franceses comemoram o seu São Luís; na Escócia, é venerada a Rainha Santa Margarida; enquanto que, na Inglaterra, se presta culto a São Eduardo, o confessor. 

Caso especial é do reino apostólico da Hungria, fundado por Santo Estêvão, cujo filho, Emérico ou Américo, foi também canonizado. Desta linhagem real são também São Ladislau, que foi pai de Santa Irene, Imperatriz de Constantinopla pelo seu casamento com João II e, ainda, as quatro filhas santas do Rei Bela IV da Hungria: as Santas Margarida e Cunegunda e as Beatas Iolanda e Constança. Delas foi tia paterna Santa Isabel da Hungria, tia-avó da nossa homónima Rainha Santa. Também descendem desta Família Real a Beata Isabel de Toss, princesa herdeira do trono magiar e, por via materna, Santa Inês da Boémia. Em total, são portanto doze os membros da Casa Real húngara, desde a sua fundação até meados do século XIV, que foram beatificados ou canonizados! 

Não se pense, no entanto, que esta gloriosa tradição é, apenas, do passado: não só foi já beatificado Carlos I, o último Imperador de Áustria e Rei da Hungria, como também a Imperatriz Zita está a caminho dos altares. Dois bem-aventurados que nos são particularmente próximos, não apenas pelo facto do último Imperador ter nascido para a vida eterna em Portugal insular, mais concretamente na ilha da Madeira, onde jaz, mas também porque ambos tinham um muito próximo parentesco com a nossa Família Real. 

Também está em curso o processo de beatificação e de canonização do Rei Balduíno da Bélgica, que se recusou a promulgar a lei que, no seu país, legalizou o aborto. Também este saudoso monarca estava aparentado com a nossa Família Real: seu avô paterno, o Rei Alberto I, foi casado com a Rainha Elizabeth, que nasceu Duquesa na Baviera e que era filha da Infanta D. Maria José, filha de el-Rei D. Miguel I. 

Apesar de muitos dos países ditos católicos europeus serem hoje repúblicas, não se conhece, que eu saiba, nenhum presidente que tenha sido beatificado ou canonizado, embora os tenha havido já em grande número, até porque os monarcas tendem a ser vitalícios, enquanto os mandatos presidenciais são de mais breve duração. Talvez haja mais factores a ter em conta nesta comparação, mas esta diferença parece indiciar uma superioridade moral do regime em que, de facto, ocorreram tantas vidas santas. Pelo contrário, os sistemas que se afirmam orgulhosamente laicos, como o que nos rege desde 1910, são também, por regra, os que apresentam mais casos de corrupção. 

  1. Conclusão. Aflito com a responsabilidade do trono real, o jovem príncipe Salomão assim rezou ao Senhor: “Concede-me pois, a sabedoria e o conhecimento, a fim de que eu saiba conduzir este povo (…). Deus disse a Salomão: ‘Já que é esse o desejo do teu coração e não pediste riquezas, nem tesouros, nem glória, nem a morte dos teus inimigos, nem uma vida longa, antes pediste sabedoria e conhecimento, a fim de governar o meu povo, do qual te fiz rei, concedo-te sabedoria e conhecimento; além disso, dar-te-ei também riquezas, tesouros e glórias tais como jamais tiveram os reis antes ou depois de ti.” (Cr 1, 10-12). 

Ao Senhor agradou sobremaneira esta petição do jovem príncipe, como a Deus agradará também que hoje peçamos que a sabedoria, feita vida de fé e serviço a Portugal, continue a ser um atributo da Casa Real que, não em vão, é fidelíssima. O Senhor Príncipe da Beira tem em seus augustos Pais a melhor escola destas virtudes, e tem também, no exemplo egrégio de el-Rei D. Carlos e do Príncipe D. Luís Filipe, a mais eloquente lição do que se pede ao futuro Chefe da Casa Real Portuguesa e, como tal, herdeiro e representante de todos os Reis de Portugal. 

Ao terminar este sermão, peço ao celebrado poeta de Os Lusíadas, nos quinhentos anos do seu nascimento, que supra com a sua graça a minha falta de “saber, engenho e arte”. Dele cito, pois, esta oração final: “Doutos varões darão razões subidas,/ Mas são experiências mais provadas,/ E por isso é melhor ter muito visto./Cousas há i que passam sem ser cridas/ E cousas cridas há sem ser passadas,/ Mas o melhor de tudo é crer em Cristo.”  Assim seja!

Gonçalo Portocarrero de Almada

Alegria e compromisso

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O casamento da Senhora Dona Maria Francisca com Duarte de Sousa Araújo Martins coincidiu com a cerimónia de juramento de bandeira da herdeira do trono espanhol. Num mesmo dia, duas situações tão diferentes, para duas Princesas cujos destinos não se afiguram similares e para duas Casas Reais em circunstâncias tão distintas, poderiam parecer nada ter em comum. No entanto, essa dissemelhança é mais aparente do que real porque ambas foram marcadas pelas mesmas duas características: a alegria e o compromisso.

A alegria foi mais visível, espontânea e livre no caso da Senhora Infanta, mas esta também transpareceu no da Princesa das Astúrias, que, enquanto cadete da Academia Militar de Saragoça, beijou a bandeira e jurou fidelidade ao Rei.

O rito, de natureza profundamente pessoal, de unir uma vida a outra, solenemente e perante Deus, não descurou a sua inegável dimensão pública e política de que os nubentes nunca se alhearam.

A configuração, eminentemente contida e marcial, da cerimónia em que participou Dona Leonor, não escondeu que, ali, entre os demais cadetes, a futura Rainha de Espanha assumia, pessoalmente e de bom grado, a missão de servir o seu país ao lado dos seus camaradas de armas.

Se o casamento da Senhora Infanta concentrou nela e no seu Marido o foco das atenções, por mais que o juramento de Leonor pudesse ter sido diluído entre outros tantos não o foi e não o poderia ter sido. Foram ambas protagonistas de actos determinantes e definidores das suas vidas.

As respectivas famílias conferiram dignidade aos compromissos assumidos e incutiram em quem os testemunhou a certeza de que estes carregavam consigo o cunho da continuidade e da disponibilidade para o serviço aos seus povos, que independe das circunstâncias políticas episódicas de cada um dos países.

Se os espanhóis, mesmo os mais contrariados, puderam constatar a determinação e a disposição séria, mas jovial, da sua futura soberana, os portugueses, mesmo os mais distraídos ou os mais contaminados pelo jacobinismo que lhes é administrado há décadas, ficaram a saber que a Família Real está ao seu lado e que, mesmo nos momentos mais íntimos, esta não concebe a sua existência sem a partilhar com o povo português.

Nesse dia 7 de Outubro, alegria e compromisso andaram de mãos dadas, tanto em Mafra como em Saragoça, em franco contraste com o que se passava noutras partes martirizadas do mundo.

Até o jornalismo nacional tão céptico, quando não sarcástico e mesmo deselegante, para com a Família Real, não teve outro remédio senão reconhecer a sua existência e dar a notícia de que uma Infanta de Portugal se casava. Infelizmente, esta atenção foi esporádica, momentânea e, sobretudo, mundana, descurando os elementos mais profundos que marcaram aquela data feliz. Não se tratou de chapéus nem de vestidos, nem de precedências nem de títulos, mas da celebração do amor de duas pessoas que não apenas o partilharam com todo o país, como se disponibilizam a servi-lo.

Acredito que a Princesa das Astúrias tem boas razões para ver em Filipe VI um exemplo de dedicação e de compromisso, quotidiano e existencial, com Espanha e com a sua unidade, e não tenho qualquer dúvida de que a Senhora Dona Maria Francisca pode encontrar nos Senhores seus Pais a encarnação do que significa ser português e do que é ter Portugal como primeira prioridade. Em permanência, dia-a-dia, a cada batimento do coração.

A cadência serena, a elevação pessoal e cerimonial, a perenidade aberta à mudança e o horizonte de sonho que as monarquias acrescentam às democracias contemporâneas, demasiado imersas no tempo e nos debates políticos, cada vez mais fugazes, cada vez mais extremados, cada vez mais básicos, ficaram provados uma vez mais no dia 7 de Outubro.

José Manuel Durão Barroso aconselhou então os portugueses a reconhecerem a sua história e a reconhecerem e acarinharem a Família de Bragança. Ganharíamos todos se o seu conselho sensato fosse levado a sério. Apesar de todas as suas duplicidades e ambiguidades, Salazar afirmou, muito justamente, em Outubro de 1949, que

«Príncipes portugueses só deveriam crescer e ser educados em Portugal, embalados pelo nosso mar, acariciados pelo nosso sol, falando de criancinha a Língua, sentindo a lusitanidade da terra e da gente, vivendo o seu drama, acompanhando o seu trabalho, interpretando o seu sentir. Príncipes assim educados, ao contacto dos vivos e dos mortos da sua pátria — dos que a fizeram com heroísmo e a continuam com duro esforço —, são, seja qual for o seu destino, património moral da Nação, património que só povos muito ricos ou despreocupados costumam desperdiçar.»

Não obstante as tristes circunstâncias da nossa República que, 113 anos depois, não consegue encontrar uma narrativa que minimamente a justifique, nem ao episódio infame do regicídio, e que cada vez mais se afasta dos portugueses, Portugal tem na Família Real, despojada das funções oficiais e dos bens materiais que deveriam ser seus, mas detentora e intérprete plena dos valores imateriais que a sua condição e o seu exemplo lhe conferem, um património de uma riqueza sem paralelo. Que bom seria se o conhecêssemos e o valorizássemos como merece.

E a vós, Senhora, que posso eu desejar-vos senão a maior felicidade? Que a alegria e o compromisso de dia 7 de Outubro perdurem, se renovem e fortaleçam a cada dia da vida da família que constituístes e que me atrevo a também chamar nossa.

João Vacas, in Correio Real nº 28

Um casamento para o bem comum – uma questão de meta-política

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As notícias do primeiro casamento na Casa de Bragança em mais de 25 anos em Mafra, no próximo dia 7 de Outubro, acontecendo numa democracia liberal do Ocidente, naturalmente causaram alguma polémica e indignações, principalmente visíveis em certos bas fonds das caixas de comentários e redes sociais. O fenómeno demonstra duas coisas: a primeira é que, como todos já sabemos, a conjugação da indolência do sofá com o anonimato, favorece destemidos revolucionários de teclado, expelindo aleivosias, convencidos que arremessam cocktails molotov - antes assim. A segunda coisa é uma particularidade portuguesa bem triste, herança da escola jacobina francesa: a inveja e o ressabiamento social, cultivados com afincada raiva no início do XX, que deixando um rasto de sangue, os nossos extremistas sempre souberam utilizar com perícia. Curioso é como, enquanto na maior parte do Ocidente civilizado se discutiam e se confrontavam as ideias liberais com o dealbar das soluções fascistas e comunistas, neste jardim à beira-mar plantado, a fractura política dominante tinha como tema, sempre acirrado, o rei e a monarquia, cuja remoção tudo iria resolver, e a Pátria iria resgatar em “amanhãs que cantam”. Não cantaram, como bem sabemos.

Uma pequena dose de realismo e interesse pelos fenómenos políticos e sociais da actualidade retira qualquer veleidade ao mais fervoroso monárquico (como eu sou) da expectativa duma mudança de regime de Chefia de Estado em Portugal. Para mais duvida-se muito que fosse simplesmente a existência de um rei, mesmo que o seu nome fosse Sebastião, que viesse resolver as contradições e desafios em que o país se afunda mais e mais a cada ano que passa. No entanto, tenho a certeza que o casamento da Infanta D. Maria Francisca com Duarte de Sousa Araújo Martins daqui a dias, não sendo contra ninguém, possui evidentemente um inevitável conteúdo político. A afirmação da Casa Real Portuguesa entre os portugueses é perfeitamente compatível com as instituições da república. Talvez que a república, com a atenção que lhe deveria merecer a res publica sempre defendida pelos nossos reis, devesse aceitar como um activo a sua convivência com a Casa Real Portuguesa e o seu inequívoco papel unificador da sociedade portuguesa. Sou há muitos anos testemunha da forma calorosa e entusiástica como as nossas gentes sempre recebem a Família Real nas suas freguesias e municípios, mesmo quando administradas pelo Partido Comunista.

Nesse sentido veja-se por exemplo o fenómeno de afirmação da coroa romena nas últimas décadas, pairando acima da república que nos anos 90, com várias nuances e progressivamente ocidentalizada, substituiu a tirânica ditadura comunista de Ceaușescu. Este caso deveria fazer-nos pensar. O carismático Rei Miguel (1921 — 2017), expulso da sua pátria em 1947 pelo governo pró-soviético, teve um papel fundamental para que tal acontecesse. Autorizado a voltar à Roménia em 1992, só em 1997 recuperou a cidadania romena que lhe havia sido retirada pelos comunistas. O sucesso do seu regresso culmina em 2011 quando foi convidado a discursar na abertura do parlamento romeno instituído pela constituição republicana de 1991. Reduzindo progressivamente a intensa vida pública por causa da sua idade avançada, o Rei Miguel teve sempre o apoio da Princesa Margareta que com ele palmilhou o caminho de reafirmação institucional da Casa Real Romena. Hoje ela é reconhecida como elemento agregador da nação, fruto da incansável dedicação ao seu povo, expresso através da constante presença no meio da população e no apoio às comunidades. Nesse sentido, como reconhecimento inequívoco da sua relevância pelo Estado, foi devolvido à Família Real o Palácio Elisabeta, sua residência oficial em Bucareste.

Como referiu o insuspeito presidente francês Emmanuel Macron em Julho de 2015 numa entrevista, “a democracia comporta sempre uma certa incompletude, porque ela não é suficiente por si só", e prosseguia: "Há no funcionamento da democracia uma ausência. Na política francesa, essa ausência é a figura do rei, do qual eu acredito fundamentalmente que o povo francês não quis a morte. O Terror [período subsequente à Revolução Francesa] criou um vazio emocional, imaginário e colectivo: o rei já cá não está!" Quantas vezes o presidente Macron deve ter relembrado estas palavras durante as insurreições recentes em França…

Esperemos que Portugal não tenha de chegar ao estado a que conduziu o regime comunista a Roménia, para darmos mais valor a uma instituição como a Casa de Bragança e as suas raízes profundas que nos conduzem à fundação da nacionalidade. O casamento em Mafra no próximo dia 7 de Outubro é muito mais que um evento social e mediático. É um passo na elevação dos portugueses a um patamar de civilização, tolerância e erudição, como comunidade ciente do valor da sua história e dos seus símbolos. Um Portugal de rosto humano, representado por uma Família a quem sucessivas gerações conheceram a história, a bravura, os acidentes e contradições, no moldar durante oito séculos deste projecto improvável que é o nosso pequeno país. Uma questão do foro da meta-política.

No dia 7, em Mafra, temos razões para festejar.

Na imagem: monograma dos noivos desenhado por Luís Camilo Alves, ilustrador oficial do Instituto da Nobreza Portuguesa.

Publicado originalmente no Observador

Contrastes

Curioso foi verificar ultimamente, ao cruzarmo-nos com certos bas fonds das caixas de comentários e redes sociais, até aqui mesmo no Facebook, algumas reacções em matilha, verdadeiramente alarves, a uma ou outra notícia do Casamento Real em Mafra no próximo dia 7 de Outubro. O fenómeno demonstra duas coisas: a primeira é, como todos já sabemos, que a conjugação do conforto do sofá com o anonimato, favorece o surgimento de destemidos revolucionários de teclado, a expelir excrescências biliares, convencidos que arremessam cocktails molotov - antes assim. A segunda coisa é uma particularidade portuguesa bem trágica, herança da escola jacobina francesa: o ressabiamento social, cultivado com afincada raiva no início do XX, que deixou um rasto de sangue e que a nossa extrema-esquerda utiliza com perícia. Curioso é como, enquanto na maior parte do ocidental civilizado se discutiam e se confrontavam as ideias liberais com as fascistas e comunistas, neste jardim à beira-mar plantado, a fractura política dominante tinha como tema, sempre acirrado, o regime de Chefia de Estado, que tudo nos iria resolver e a Pátria iria resgatar em “amanhãs que cantam”. Não cantaram.

Como contraste, ontem Sábado, o périplo na Ericeira e Mafra a distribuir flyers e a esclarecer dúvidas sobre o casamento Real na Basílica do Palácio Nacional foi muito consolador. Foi gratificante constatar, entre os lojistas e muitos clientes, a receptividade e o carinho com que esperam o grande acontecimento de 7 de Outubro naquele Concelho.

Em Mafra foi decisiva a companhia do Presidente da Junta que conhece meio mundo, que aproveitou para perceber melhor as incidências do evento, que irá trazer muita gente àquela vila encantada e projectar a região internacionalmente. Foi uma bem sucedida acção de relações públicas que deu para perceber como a "notícia" já é do conhecimento de toda a gente e como é grande a receptividade.

As redes sociais, tantas vezes um esgoto a céu aberto, induzem-nos em erro quanto à natureza cordata e razoável da maior parte dos portugueses.

O Casamento Real e “A Liberdade Portuguesa” *

Não queremos outra liberdade senão a liberdade portuguesa.
Mas também não queremos outro Portugal senão o Portugal dos homens livres. E é ao procurar a práxis desta teoria que aclamamos o rei.

Henrique Barrilaro Ruas, 1971

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No próximo dia 7 de Outubro terá lugar na Basílica do Palácio Real de Mafra, pelas 15:00 horas, o primeiro casamento na Família Real Portuguesa em mais de 25 anos, o feliz enlace de S.A. a Infanta Dona Maria Francisca com Duarte de Sousa Araújo Martins. À maneira das ancestrais bodas reais que pautaram os 800 anos da monarquia portuguesa, esta grande solenidade significará o retorno da noiva à sua ancestral casa de família, monumento erigido pelo seu 7º avô, Dom João V. A essa celebração comparecerão numerosos convidados, entre os quais personalidades de destaque da vida social e política nacional e internacional, incluindo membros de famílias reais estrangeiras. Os célebres carrilhões assinalarão sonora e vibrantemente o início e o término desta grande festa portuguesa, que extravasará as fronteiras do Concelho de Mafra e do Distrito de Lisboa para Portugal inteiro.

Este casamento, que contará com ampla cobertura mediática e transmissão televisiva, sucede a três enlaces reais portugueses ocorridos em república, com a diferença que não se realizará no exílio, e muito menos na clandestinidade. Os monárquicos amam a Liberdade. Lembremos que o rei Dom Manuel II casou-se a 4 de Setembro de 1913 com a Princesa Augusta Vitória de Hohenzollern-Sigmaringen no Sul da actual Alemanha, banido da sua pátria pelos revolucionários republicanos três anos antes – como sabemos morreu tragicamente vinte anos depois, exilado em Londres, sem geração. Trinta anos mais tarde, em 1942, é a vez de Dom Duarte Nuno, neto do rei Dom Miguel, ainda impedido pelas leis do Estado português de entrar em Portugal, celebrar o seu matrimónio com SA Dona Maria Francisca, Princesa de Orléans e Bragança, bisneta do Imperador Dom Pedro II do Brasil, a 15 de Outubro, na Catedral de Petrópolis, no Rio de Janeiro. Ainda condenada ao exílio pátrio, a nova família instalar-se-ia na Suíça até 1952, quase dois anos após a revogação da Lei do Banimento. Por causa das ambiguidades do Estado Novo, não foram tempos fáceis os da acomodação da Família Real em território nacional, questão que exigiu aos monárquicos da época grande empenho na procura de uma solução condigna para a sua querida Família Real finalmente de retorno à Mãe Pátria, um desejo antigo de Dom Duarte Nuno. Definitivamente o governo da república não se sentia confortável com a fixação de residência dos Duques de Bragança em Lisboa, tendo Suas Altezas por isso vivido os primeiros anos na freguesia do Canidelo, em Vila Nova de Gaia, antes de se instalarem 5 anos depois em São Silvestre do Campo, nos arredores de Coimbra, numa parte dum antigo mosteiro de São Marcos, por muitos anos local de festiva peregrinação, pelos muitos dedicados monárquicos, a cada dia 1 de Dezembro. Entretanto os tempos mudaram, e ainda há muita gente que se lembra com comoção e carinho, do casamento de Dom Duarte Pio, actual Chefe da Casa Real Portuguesa, com Dona Isabel, nos Jerónimos, que levou a Belém uma colorida e participada festa, no qual fizeram questão de tomar parte entre tantos distintos convidados, imaginem só, o então presidente da república Mário Soares e o primeiro-ministro Aníbal Cavaco Silva. Os monárquicos acima de tudo amam a “Liberdade Portuguesa”.

Por todos estes motivos e mais alguns queremos que a festa do casamento da Infanta Dona Maria Francisca com Duarte de Sousa Araújo Martins em Mafra, a decorrer no Terreiro Dom João V engalanado com as cores e a heráldica que simbolizaram durante séculos esta Nação improvável, seja motivo de adesão de todos os Portugueses. Pela minha parte, empenhado com a Real Associação de Lisboa na organização das actividades no exterior da Basílica, convido todos quantos ali se queiram juntar, na tarde do próximo dia 7. Para os mais curiosos existirão dois ecrãs gigantes com transmissão do interior da Basílica, e para ajudar à festividade, serão distribuídas centenas de bandeiras e contaremos com a actuação de mais de 500 elementos de doze Grupos Folclóricos representando várias regiões do país.

Este, que será o primeiro casamento dos nossos infantes, Afonso, Maria Francisca e Dinis, é desde já promessa da continuidade desta Instituição, valioso activo identitário da nossa sempre periclitante Pátria, mesmo em república. Por isso reclamamos o reconhecimento e abraçamos a Casa Real Portuguesa. Muitos empedernidos republicanos, cem anos depois da revolução, reconhecem a importância desta tradição como factor de comunhão Nacional. Quanto ao mais, sei por experiência própria como os portugueses, nas ruas das nossas cidades, vilas e aldeias, reconhecem com simpatia, a sua querida Família Real.

 *Do título de uma antologia de textos de Barrilaro Ruas

Texto publicado originalmente no Observador.

Na imagem: a heráldica dos noivos desenhada por Luís Camilo Alves, ilustrador oficial do Instituto da Nobreza Portuguesa.

A Coroação do Rei Carlos e o Síndrome de Estocolmo português

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A Coroação de Carlos III que ocorre hoje coincide com o 115.º aniversário da aclamação de D. Manuel II, último rei de Portugal até à data. Foi exactamente neste dia, em 1908, três meses depois do miserável assassinato do Rei Dom Carlos e do Príncipe Real Dom Luís Filipe no Terreiro do Paço, que o jovem rei se dirigiu ao palácio de São Bento para a cerimónia pública que simbolizava a comunhão entre o soberano e o seu povo, que o reconhecia como o primeiro entre iguais. Ao contrário do que acontece noutras monarquias, em Portugal, por tradição iniciada com Dom João IV, os reis deixaram de ser coroados, entregue que foi a coroa do reino de Portugal a Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa em agradecimento pela Restauração da Independência.

A solenidade da aclamação de 6 de Maio de 1908, profusamente fotografada e reportada pela imprensa da época, decorreu no hemiciclo de São Bento, perante os Deputados e Pares do Reino e do executivo liderado pelo Presidente do Conselho de Ministros Francisco Ferreira do Amaral. Dom Manuel jurou observar e fazer observar a constituição política da Nação portuguesa, promessa que cumpriu até à sua morte precoce, já no exílio em Twickenham. Teve um reinado trágico, shakespeariano.

Passados exactamente 115 anos sobre a aclamação do Patriota Desventuroso, hoje é dia de festa no Reino Unido. A coroação de Carlos III, numa cerimónia que extravasa as fronteiras dos seus Reinos e da própria Commonwealth, é um evento de âmbito global ecoará pelo mundo, em directo da Abadia de Westminster, numa Londres engalanada e disposta a viver uma gigantesca comemoração popular. É este o poder de atracção da monarquia britânica, cujo sentido de equilíbrio de um povo tão pragmático quanto zeloso da sua especificidade dignificou, fez permanecer e tornar um elemento harmónico e indispensável ao seu sistema democrático. Este vem resistindo aos mais turbulentos ventos do auto-proclamado progressismo e tem na Coroa um garante da coerência, do equilíbrio e do prestígio das instituições, simultaneamente vetustas e actualizadas, que compõem e asseguram a continuidade de uma das mais antigas democracias parlamentares do planeta. Esta democracia plural é profundamente participada, pujante e ruidosa, alicerçada numa sociedade civil dinâmica, exigente e até contestatária na defesa dos muitos interesses conflituantes, espelhados numa imprensa livre, independente e interpeladora, quantas vezes sensacionalista.

A cerimónia da Coroação, que irá mobilizar e animar o país durante três dias, contará com mais de 2 mil convidados. Entre eles, estarão chefes de Estado de vários países, políticos e representantes de outras monarquias e casas reais europeias, e contará com militares, funcionários públicos, líderes comunitários, filantropos, numerosos artistas e personalidades. O poeta e músico australiano Nick Cave participará na celebração. Segundo o próprio, a sua presença corresponde a um "apego inexplicável" à família real britânica. Este é o mistério das monarquias. Todo o planeta será testemunha deste acontecimento raro e precioso e que viverá na memória de quem o acompanhar.

Enquanto isso, em Portugal vive-se um clima de histeria insalubre que já transborda da bolha mediática para a rua e para as conversas de café: não há cigarros nem pipocas suficientes para acompanhar a deplorável telenovela que cola quase todos às televisões. O Chefe de Estado e o Governo nomeado há pouco mais de um ano encontram-se em conflito aberto, como já aconteceu, tristemente, tantas vezes nas últimas décadas. Bizarra república, a nossa, em que duas das principais instituições do Estado foram arquitectadas para se contraporem e digladiarem em guerrilha política, para regalo circense da turba. Não será essa uma das causas do nosso atraso socioeconómico, pobreza e desleixo?

Num país civilizado, a Câmara dos Deputados (dos Comuns, no Reino Unido) seria o espaço destinado ao confronto e ao conflito democrático, que é natural e desejável entre facções, podendo contar com a mediação duma Câmara Alta. Ah, e nesse país os tribunais funcionariam. Numa democracia avançada, com uma maioria parlamentar eleita há pouco mais de um ano, mesmo perante uma crise grave, o Governo ver-se-ia obrigado a corrigir os seus erros, e, estimulado pelos deputados que constituíssem o seu sustentáculo parlamentar, representantes verdadeiros dos seus eleitores, teria de regenerar-se e de trabalhar – veja-se o caso paradigmático do governo e da maioria conservadoras no Reino Unido: a sequência dos escândalos de Boris Johnson foi seguida da crise com a efémera Liz Truss, até à estabilização com Rishi Sunak.

O maior problema de Portugal é a fragilidade das suas instituições num sistema político de raiz revolucionária, estagnado, afunilado e absolutamente incapaz de se regenerar. Os portugueses, capturados pelo “progressismo” que assassinou os seus reis, destruiu as suas tradições e truncou o ensino da sua História, foram, há gerações, acometidos pelo conhecido Síndrome de Estocolmo (estado psicológico particular em que uma vítima de rapto, submetida a um tempo prolongado de intimidação, passa a ter simpatia e até mesmo amor ou amizade pelo seu agressor) e parecem acomodados à mediocridade a que esta apagada e triste República os acorrentou.

Eu não me conformo.

Artigo publicado originalmente no Observador

O caminho para o abismo

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Tenho para mim que a dissolução do parlamento pelo presidente da república é um golpe de Estado, mesmo que constitucionalmente legitimo - não mudo de opinião por mudarem os protagonistas. A “bomba atómica” trata-se dum absurdo confronto entre duas legitimidades, uma unipessoal - a do presidente da república (imaginem que ele era um tonto egocêntrico), e outra colegial, esta última legitimada pelos votos de comunidades nos seus representantes no parlamento há pouco mais de um ano.

Com isto não quero dizer que não reconheça a degradação do ambiente político por via de oito desgastantes anos de poder socialista empenhado a distribuir benesses às suas clientelas e gerir a popularidade pelo ilusionismo. Na minha opinião a discussão sobre a dissolução do parlamento só serve para alimentar audiências na comunicação social e aos comentadores que vivem da especulação e intriga política. Mas o pior de tudo é que a simples ameaça da dissolução que Marcelo exibe como como bomba-relógio corre o risco de resultar num sentimento de acrescida inimputabilidade do governo, paralisado pelo medo de si próprio, da sua incompetência, da sua sombra. Numa democracia avançada, com uma maioria parlamentar eleita há pouco mais de um ano, o governo ver-se-ia obrigado a enfrentar os seus erros, a regenerar-se e a trabalhar – veja-se o caso paradigmático do governo conservador em Inglaterra na sequência dos escândalos de Boris Johnson e da crise que lhe sucedeu.

Pior do que vivermos num país manso e socialista é a arquitectura do regime semipresidencialista e das suas degradadas instituições em que já ninguém acredita. Nisso ninguém quer mexer... porque gostam?

Sobre a monarquia, uma obra de fôlego

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“Monarquia - História, doutrinas e heranças” é escrito por Carlos Maria Bobone que é filho de um dos meus maiores amigos, facto que apenas denuncia que já não vou para novo. Também não é por isso que nos últimos dias me embrenhei na leitura deste livro: com responsabilidades no meio monárquico a sua leitura era-me obrigatória. Afinal o livro é um minucioso ensaio sobre as origens, desenvolvimento, derivações deste sistema de governo com raízes nas primeiras sociedades tribais. Se por um lado a obra, mais especificamente nas páginas em que o autor discorre sobre as monarquias parlamentares, pode desiludir os monárquicos “militantes” que, como eu, despendem muita da sua energia a valorizar a Instituição Real nos países ocidentais como elemento mitigador dos vícios do niilismo democrático, constitui uma preciosa tese filosófica e historiográfica sobre este sistema de organização política profundamente versátil e, afinal de contas, resistente. Um reconhecimento de como a infiltração dos princípios monárquicos (no sentido clássico do "poder de um só" que é disto que a obra essencialmente trata) noutras concepções do mundo e noutras ideias políticas hoje em voga, porque “a história da política no Ocidente é também uma constante recuperação de alguns dos princípios monárquicos considerados caducos ou ilegítimos, que os governos recuperam de forma mais ou menos camuflada”. Mas tudo se inicia nas sociedades tribais, na génese do conceito de família com base no casamento, “uma espécie de reconhecimento da igualdade, que ultrapassa a simples relação de poder”, na necessidade de constituição de um modelo de chefia organizado, acima dos clãs. Curiosa a tese devidamente exemplificada com lendas e histórias, do recurso ao “rei estrangeiro”, que chegado de longe com aura de mistério e imparcialidade, pela sua auctoritas irá dar início a uma monarquia primordial.

Das sociedades recolectoras à época clássica, passando pelo pensamento escolástico ao iluminismo, da Revolução Francesa ao liberalismo constitucional, do tradicionalismo de Mauras às repúblicas impregnadas de elementos monárquicos que pretendiam banir, nas 370 páginas de “Monarquia - História, doutrinas e heranças” o Carlos Maria Bobone guia-nos com rara erudição e uma escrita fluida pela história das Monarquias, “não de regime, porque há várias formas de regime monárquico”, pela história do pensamento político e da filosofia, arriscando concluir que “mais do que uma doutrina a monarquia um factor histórico.” E nesse sentido o autor saberá por certo que num país com quase novecentos anos de História como Portugal, independentemente do regime político em vigor, é importante lutar pela valorização da sua Casa Real. Noblesse Oblige.

“Monarquia - História, doutrinas e heranças” por Carlos Maria Bobone, Leya Fevereiro de 2023. À venda aqui

Homilia da Missa de Sufrágio regicídio 2023

Rev. Pe. Gonçalo Portocarrero de Almada, Igreja de São Vicente de Fora, 1-2-2023

O REI E A FAMÍLIA REAL

  1. Introdução. “Naquele tempo, Jesus dirigiu-Se à sua terra e os discípulos acompanharam-n’O” (Mc 6, 1) – assim se inicia o trecho do Evangelho que corresponde a esta quarta-feira da semana quarta do tempo comum, que é também o primeiro dia do mês de Fevereiro e, sobretudo, o aniversário do regicídio que vitimou, no Terreiro do Paço, Sua Majestade Fidelíssima, El-Rei D. Carlos I, e o Príncipe Real, D. Luís Filipe. É sobretudo a sua memória que, aqui e agora, se evoca, sufragando as suas almas, sem esquecer os demais membros da Família Real já falecidos, nomeadamente Suas Majestades El-Rei D. Manuel II e a Rainha D. Amélia.

Como é já tradição nesta celebração anual, depois de concluída a Eucaristia, rezaremos um responso pelas almas das reais vítimas do regicídio, bem como por todos os restantes monarcas, príncipes e infantes, cujos restos mortais aguardam, no vizinho panteão real, a gloriosa ressurreição. Agradeço ao Reverendíssimo Senhor Cónego Jorge Dias, Reitor desta Igreja de São Vicente de Fora, por ter disponibilizado este magnífico templo para esta celebração. Comigo concelebra o Reverendíssimo Senhor Padre Tiago Ribeiro Pinto, que depois presidirá à celebração litúrgica no anexo panteão, muito grato pela sua presença, bem como pelo seu testemunho de fidelidade a Deus, na sua Santa Igreja, e a sua sacrificada disponibilidade no serviço da Família Real.

Terminadas as apresentações respeitantes ao clero, devo, em primeiro lugar, cumprimentar Suas Altezas Reais, os Senhores Duques de Bragança, na sua dupla qualidade de Chefes da Casa Real e de representantes de El-Rei D. Carlos e do Príncipe Real. Infelizmente, nem sempre as notícias que nos chegam de outras Casas Reais beneficiam a imagem da Instituição junto da opinião pública, mas, no que ao nosso país se refere, devemos dar graças a Deus pelo exemplo que, de forma discreta mas tão convincente, constantemente nos chega do Senhor Dom Duarte e da Senhora Dona Isabel. Ambos, com efeito, são exemplares, não apenas no seu patriótico serviço a Portugal, mas também no seu eloquente testemunho de fidelidade à Igreja católica que, fazendo jus a tão sincera e ininterrupta devoção dos monarcas lusitanos, os honrou com o título de fidelíssimos, que também é devido aos actuais titulares da Casa Real portuguesa, não apenas como seus representantes, mas também a título pessoal.

Como é também da praxe, saúdo os Presidentes da Causa Real e da Real Associação de Lisboa, os Cavaleiros e Damas da Ordem Soberana e Militar de São João, dita de Malta, e da Ordem de Cavalaria do Santo Sepulcro de Jerusalém, que igualmente honram esta celebração com a sua piedosa presença. Cumprimento ainda os membros das Ordens dinásticas de Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa, em representação da nossa Padroeira e Rainha, a Senhora da Conceição, e de Santa Isabel, a nossa tão popular e querida Rainha Santa.

É com especial gratidão que me dirijo, por fim, a todos os demais fiéis que, certamente com sacrifício, mais uma vez participam nesta Missa de sufrágio pelas vítimas do regicídio de 1908, enaltecendo, em primeiro lugar, a piedade da sua participação nesta celebração litúrgica. A memória de El-Rei D. Carlos e do Príncipe Real não apenas diz respeito aos que se revêem na Instituição Real, porque todos os verdadeiros patriotas não podem deixar de venerar estes insignes mártires da Pátria.

  1. O regresso de Jesus a Nazaré. Embora o evangelista São Marcos indique Nazaré como sendo a ‘pátria’ de Jesus (cf. Mc 6, 1), na realidade o não era, por duas principais razões. Com efeito, a sua naturalidade era a cidade de Belém, indicada como sendo, precisamente, a naturalidade do tão esperado Messias (cf. Miq 5, 2; Mt 1, 4-6). Era também Belém de Judá a sua pátria em sentido estricto, ou seja, a terra dos seus pais, na medida em que, pela linhagem de José, o filho de Maria era, legal e socialmente, da casa e família do Rei David (Lc 2, 4).

No entanto, como por razões de prudência, a Sagrada Família, ao regressar do exílio no Egipto, decidiu não regressar a Belém, estabelecendo-se na Galileia, numa pequena povoação chamada Nazaré (cf. Mt 2, 19-23) e que, a julgar por uma afirmação de Natanael – “De Nazaré pode porventura sair coisa que seja boa” (Jo 1, 46) – não era uma terra principal. Contudo, é de Nazaré que Jesus toma o nome, apelidando-se, desde então, pela referência a essa terra, segundo aliás uma praxe muito habitual, também entre nós, em que inúmeras famílias, sobretudo se apelidadas com um nome comum, acrescentaram ao apelido dos seus antepassados a referência toponímica (é, por exemplo, o caso dos Ferreira Pinto, de Basto; ou os Gonçalves Macieira, de Macieira da Maia, que trocaram o patronímico pela referência topográfica que, desde então, designa a família).

No princípio da sua vida pública, Jesus muda-se para Cafarnaum. Desde então, é aí que tem a sua residência, possivelmente na casa do pescador Simão, irmão de André, a quem chamará Pedro (cf. Jo 1, 42) por ser ele, como primeiro Papa, aquele sobre o qual o Mestre construirá a sua Igreja (cf. Mt 16, 18). Não obstante este seu domicílio, o ministério de Cristo é peripatético, no sentido em que continuamente percorre a Judeia e a Galileia, atravessando também a Samaria, onde não se demora, por razão dos atritos entre samaritanos e judeus, de que deu conta a boa mulher que Jesus encontrou junto ao poço de Sicar (cf. Jo 4, 1-26).

Mas Nazaré, apesar das frequentes deslocações de Jesus, continua presente na vida do Mestre, não apenas por ter sido o lugar da sua infância, adolescência e maturidade, ou porque aí exerceu, durante anos a fio, o mesmo ofício de São José (cf. Mc 6, 3), mas sobretudo porque aí permanecia sua Mãe, Maria. Quer pela sua viuvez – não se sabe quando se deu o falecimento de José, mas decerto já tinha ocorrido quando se dá o casamento em Caná da Galileia, em que já não está presente (cf., Jo 2, 1-11) – quer também por Jesus ser filho único – por este motivo, na Cruz, entrega a sua Mãe a João (cf. Jo 19, 25-27), por não ter irmãos a quem  a deixar – Nossa Senhora estava muito só, humanamente falando. Por uma razão de piedade filial e da mais elementar justiça, Jesus não podia deixar de visitar Nossa Senhora com alguma frequência. Maria aceitaria essa dolorosa separação, com o mesmo espírito com que também se resignou ante a morte do seu Filho na Cruz, porque era assim que se devia cumprir a vontade salvífica de Deus.

Sendo Maria muito provavelmente natural de Nazaré, como diz São Lucas (cf. Lc 1, 26-27), de lá seriam também os seus pais, irmãos e sobrinhos. São estes, precisamente, que são aqui referidos como ‘irmãos’ de Jesus, porque a língua aramaica não distingue irmãos e primos direitos, ou coirmãos, a todos chamando, genericamente, irmãos. Portanto, os citados “Tiago, José, Judas e Simão”, bem como “as suas irmãs” (Mc 6, 3) eram, pela certa, sobrinhos de Maria e, portanto, primos direitos de Jesus. Deve ter sido com eles que, por serem da sua família e mais ou menos da sua idade, Jesus mais conviveu durante a sua infância e adolescência, até porque a família paterna, sendo José de Belém de Judá, não estaria tão próxima, nem seria, por isso, acessível. O facto de a Sagrada Família não ter encontrado alojamento em Belém, quando era iminente o nascimento de Jesus (cf. Lc 2, 1-7), que por isso teve de vir ao mundo num estábulo, indicia uma relação distante, senão mesmo hostil, de José com os seus parentes que ainda viviam em Belém.

Apesar de Pedro e André serem irmãos, como também o eram os filhos de Zebedeu, João e Tiago, cuja mãe pede a Nosso Senhor que coloque estes dois seus filhos à sua direita e esquerda (o que já me levou a pensar que devia ser portuguesa, e que, pela certa, o seu apelido era Cunha!), não parece que os parentes de Jesus tenham aderido à sua pregação. Pode ser que esta sua aparente indiferença se deva ao facto de Jesus, ao tempo da sua permanência na Galileia, onde com eles convivia naturalmente, não ter protagonizado nenhum acontecimento extraordinário, pois o seu primeiro milagre aconteceu em Caná da Galileia (cf. Jo 2, 1-11). Não só os familiares de Jesus parecem pouco dispostos a acreditar na sua mensagem, como até chegam a provocar um episódio caricato, quando O quiseram “prender, porque diziam: ‘Está louco’.” (Mc 3, 21).

  1. A especial missão da Família Real. Quando, no dia de sábado, já em Nazaré, Jesus começou a ensinar na sinagoga, os seus conterrâneos comentaram: “‘De onde Lhe vem tudo isto? Que sabedoria é esta que Lhe foi dada e os prodigiosos milagres feitos por suas mãos? Não é Ele o carpinteiro, Filho de Maria, e irmão de Tiago, de José, de Judas e de Simão? E não estão as suas irmãs aqui entre nós?’. E ficavam perplexos a seu respeito.” (Mc 6, 2-3).

A perplexidade daqueles parentes de Jesus é a nossa também: como é possível que, conhecendo-O há tanto tempo, não soubessem quem Ele era?! Como explicar aquela estranheza, vinda daqueles que era suposto que mais e melhor O deviam conhecer e amar?! Se surpreende a hostilidade que Jesus sofreu noutras regiões da Terra Santa, indigna esta incredulidade daqueles que, por serem os seus parentes, deviam ser os seus melhores amigos e fiéis seguidores.

Jesus também não escondeu a sua perplexidade, ante a frieza dos ditos seus irmãos, e demais conterrâneos: “Jesus disse-lhes: ‘Um profeta só é desprezado na sua terra, entre os seus parentes e em sua casa’.” Essa ingratidão daqueles seus primos e demais nazarenos, explica que Nosso Senhor não tenha feito nenhum prodígio em Nazaré, como também explica São Marcos: “Não podia ali fazer qualquer milagre; apenas curou alguns doentes, impondo-lhes as mãos. Estava admirado com a falta de fé daquela gente. E percorria as aldeias dos arredores, ensinando” (Mc 6, 1-6).

Quando, logo após o vil assassinato do Rei D. Carlos I e do Príncipe D. Luís Filipe, as augustas mães de ambos se encontraram, a Rainha D. Maria Pia exclamou: “-Mataram o meu filho!”, ao que a Rainha D. Amélia, que tinha acabado de enviuvar, respondeu: “- Também mataram o meu!”  Enquanto a Rainha Mãe tinha a lamentar a morte de um filho e de um neto, a Rainha D. Amélia acabava de perder o marido e o filho primogénito. Ambas foram, nesses seus tão dolorosos lutos, vítimas do regicídio, porque os mesmos tiros que cobardemente mataram o Rei e o Príncipe Real, feriram os seus corações maternos. O que caracteriza a monarquia não é tanto, como o nome erradamente sugere, o governo de um só, mas de uma Família que, se tem direito a acrescidas honras, é também porque tem redobradas obrigações no que respeita o serviço do Estado e da Instituição Real.

Enquanto, em república, os familiares do Chefe do Estado não têm qualquer missão, nem estatuto oficial, na monarquia o cônjuge do monarca com ele partilha a realeza, com o título de Rainha ou, entre nós, depois de nascido o Príncipe herdeiro, de Rei. Também os irmãos e sobrinhos do soberano estão naturalmente chamados ao desempenho de funções de representação nacional, sempre em total fidelidade e subordinação ao soberano. São, aliás, estas funções que justificam que, nas modernas monarquias europeias, os príncipes da Família reinante recebam encargos de representação.

O último gesto do Príncipe Real, Dom Luís Filipe, foi o de defender o seu augusto Pai, expondo-se assim às balas que causaram a sua morte. Não foi apenas um mártir da Pátria, mas também um heroico exemplo de devoção filial e de fidelidade ao seu Rei e Senhor. Se tivesse pensado, nesse momento trágico, em si mesmo, o Príncipe poder-se-ia ter resguardado, mais ainda sendo ele o que, na ausência do seu pai, estava chamado a ocupar o trono lusitano. Com a nobreza que é timbre dos verdadeiros príncipes, D. Luís Filipe sabia que o seu principal dever era servir o seu Rei, mesmo que fosse à custa da sua vida. O seu sacrifício não foi em vão, porque permanece como lição de amor filial e do que a Coroa espera de todos os membros da Família Real, bem como de quantos fizeram sua esta Causa.

Se é verdade, como já se disse, que de Suas Altezas Reais, os Senhores Duques de Bragança, só há a registar exemplos de virtudes cívicas e cristãs, o mesmo se pode dizer, graças a Deus, dos actuais Príncipes da Casa de Bragança. Em tudo o mais, os Infantes podem ceder a primazia, mas no serviço ao Rei e à Pátria, compete-lhes sempre o primeiro lugar, para que a ‘alteza’ da sua condição seja justificada pela elevação da sua vida moral, familiar e pessoal. Não se exige a um Infante de Portugal que seja célebre, nem famoso, mas que seja o primeiro em honrar e servir o seu País, pelo respeito e serviço ao Rei e a Portugal.

  1. Conclusão. O relato evangélico agora proclamado termina com uma constatação de facto que nos enche de tristeza e, também, de apreensão: “não podia ali fazer qualquer milagre; apenas curou alguns doentes, impondo-lhes as mãos. Estava admirado com a falta de fé daquela gente. E percorria as aldeias dos arredores, ensinando” (Mc 6, 5-6). Tristeza, porque a falta de fé daquelas gentes de Nazaré foi a causa que impediu os muitos milagres que o Mestre poderia ter feito lá, em benefício dos mais necessitados dos seus compatriotas. Apreensão porque, se assim foi há dois mil anos, também agora pode acontecer que o Senhor não faça os milagres, que são necessários para a salvação da nossa pátria, precisamente pela nossa falta de fé.

Em Caná da Galileia, foi a Maria a quem se ficou a dever o primeiro milagre de Jesus, em virtude do qual não só converteu a água em vinho, como também os discípulos do Senhor n’Ele creram (Jo 2, 1-11). Que a fé de Maria, que está na origem da fé da Igreja, crie em nós aquela firme disposição de que Jesus quer precisar para que, finalmente, se cumpra Portugal!   

Gonçalo Portocarrero de Almada

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Compreender o regicídio

Daniel Santos Sousa

 

Quando Portugal teve 3 Reis em apenas 1 dia | VortexMag

1- Nas origens da tragédia


O regicídio cultiva nas diferentes fileiras políticas um misto de simpatia e de desprezo, de romantismo e de horror. Assim como na morte de Luís XVI, em França, de Nicolau II, na Rússia, ou  a morte do rei mártir Carlos I, em Inglaterra, não há tragédia que não venha antecedida de uma circunstância, entretecida por motivos e ideais programados à inteligência dos homens. Compreender um crime não é um acto de compaixão, mas de justiça, por mais complexo, arbitrário, obscuro, que nos possa parecer.

Aquilino Ribeiro tece um retrato apaixonado dos regicidas, ele próprio um cúmplice. No livro “Um escritor confessa-se” a descrição mede o rancor e o desprezo com que olhava o regime; ali traça a espera justicialista da redenção pelo crime, do sangue pela virtude. Aquilino escreve: “o regicídio foi a enfloração lógica de ideias, ódios e revoltas, semeados a trouxe-mouxe por monárquicos e republicanos num solo bárbaro, propício à violência”.

Independentemente do contexto a reflexão parece lapidar e soma as várias circunstâncias que altivaram a catástrofe. O século XIX é bárbaro e inclemente numa sinecura de traições e cobardias. A guerra civil dilacerara as consciências, onde apenas poderia restar o divisionismo e o sectarismo partidário. As inteligências não progrediram dessa angústia, restando a evolução dum sistema parlamentar e rotativo muitas vezes olhado com desdém. Ainda que as obras de melhoramentos materiais, as grandes reformas codificadoras, a transformação político-administrativa perpetrada pelo regime tenha mudado Portugal. Acuse-se o facto de o constitucionalismo ter sido imposto de cima para baixo, muitas vezes confrontando a desconfianças do povo e a incompreensão do “país legal” face ao “país real”. O trono fora poupado, mas as forças que avançavam faziam antever o pior. Fialho de Almeida constatava: “Ah, os tempos mudaram! Já não são os reis que fazem os povos”[1].

2 – O radicalismo na monarquia

A maçonaria radicalizava-se no ano de 1907 com a eleição, para grão-mestre, de Magalhães Lima, nele, o discurso contra o trono e o anticlericalismo eram constantes. A carbonária portuguesa, copiada da italiana de onde tem origem, era verdadeiramente uma milícia armada, como comprovam os testemunhos da época. Os populares acorriam à seita e mesmo os próprios republicanos ficaram incrédulos perante uma lista de carbonários apresentada por Antonio José de Almeida. Treinavam o tiro e incentivavam o ódio ao regime, ódio ao Rei sobretudo, e estavam prontos a matar e a morrer por aquela causa.

Como notava um jornalista republicano, Homem Cristo, a antipatia a D. Carlos resultava “unicamente da forte personalidade que, desde príncipe real, D. Carlos revelara…” e como o povo de Lisboa “sentia, por instinto, no futuro reinante, um adversário.” [2] . Outro, Júlio Vilhena, diria que, D. Carlos fora morto, “não pelos seus defeitos, mas pelas suas qualidades”.

Dentro do regime os ânimos acicatavam ódios antevendo o pior. José Apolim, chefe do Partido Regenerador, tivera atitudes desprezíveis e odiosas face a D. Carlos, levando o jornalista republicano Pinheiro Chagas a cognominar esse político como “o regicida”. Constata-se, assim, no seio da própria monarquia, uma vacuidade total para defender o trono. Quanto aos que podiam defender o Rei, esses iam desaparecendo, primeiro Fontes, o líder regenerador, depois Braancamp, líder progressista, mais tarde Hintze Ribeiro, dedicado conselheiro do Rei, que morreria decepcionado por ter sido preterido por João Franco. Desapaixonadamente, D. Carlos confessaria: “Isto é uma monarquia sem monárquicos”.

3 – Um rei entre tragédias

D. Carlos teve grandes êxitos na política colonial, e, ao mesmo tempo, uma grande derrota que foi o Ultimatum Britânico. Teve consciência dos vícios que corroíam o poder e conhecia bem os desígnios da autoridade, suficientemente consciencioso para ser um realista político e perceber a enfermidade de que vivia o regime [3]. Bonacheirão e marialva, bon vivant, verdadeira têmpera aristocrática, tinha ao mesmo tempo o sangue vivo dos Sabóia. Pela têmpera jamais se deixaria desrespeitar, podia ser clemente e rígido, autoritário e impávido, ao mesmo tempo, mas nunca cobarde e jamais recuaria face ao perigo. Mas também um activo estudioso de oceanografia, pintor exímio e homem de estado audacioso e determinante [4].

O rei resistiu à primeira tentativa de golpe republicano no Porto, a 31 de Janeiro de 1891, ali demonstrou que não deixaria ser derrubado. A desordem não ficou por aqui. Em 1906, a tripulação a bordo do cruzador “D. Carlos” amotinou-se, obra de uma sociedade secreta, segundo se apurou, com sangue frio resiste a todas as crises e apercebe-se da insustentável fragilidade do regime. Procurou assim combater a decadência do sistema através de uma "revolução de topo" (conforme propugnara Hegel) e que encontrara expressão, no fim de século, pela  pena de Oliveira Martins no programa da "Vida Nova". Desaparecido na decepção profunda em que mergulhava o país restou a D. Carlos confrontar-se com as exigências de um tempo que parecia ameaçar todas as instituições. João Fraco seria, pois, o último  baluarte face ao avanço da desordem. Sobre o ministro recaíram todas as antipatias e respeitos (conforme se interpretem as suas decisões e conforme se estudem as suas medidas políticas). Não há como concordar na atitude do Rei face à certeza de que nem progressistas nem regeneradores conseguiam governar com o Parlamento.

Sobre a “ditadura” franquista, uma geração de historiadores republicanos, e mais tarde de historiadores marxistas, fez a confusão mais espúria ao ver Franco como uma antecipação do salazarismo (o que não é verdade [5]). João Franco era um liberal, um homem do sistema que compreendia a fragilidade do regime, o que protagonizava não se afastava dos modelos a que a restante Europa propugnava: um regime que mantivesse a liberdade e garantisse a ordem. Tal como Bismarck, na Alemanha, ou Disraeli, na Inglaterra, procurava as medidas necessárias para reformar o sistema. Este tipo de “ditadura” era comum nos sistemas liberais: o rei dissolvida o parlamento e nomeava um chefe do governo com o qual elaboraria decretos que seriam aprovados quando o parlamento reabrisse [6].

A ditadura servia como última consequência do demo-liberalismo, no fundo uma “ditadura administrativa” que mais não agoirou do que em ódios fervorosos tanto dos monárquicos, como dos republicanos, numa crescente de ataques que iam desde vaias ao rei a críticas ferozes a João Franco.

4 – A desordem

Seria fácil acusar apenas o grupo, não muito significativo, de republicanos pelas críticas e conspirações, ou ver na carbonária o braço armado que levou ao assassinato, ou ainda tecer injúrias a Buiça e a Costa. Acontece que os próprios políticos dos partidos monárquicos estavam de conluio no ódio ao Rei alimentados pelo apoio que dava a João Franco, a priori, este seria o homem a abater.

A primeira conspiração correu mal, a 28 de Janeiro de 1908. A ideia era raptar João Franco, o que falhou; enquanto outros que ficaram de invadir a Câmara Municipal foram denunciados e perseguidos. Percebiam-se os ataques à ditadura de João Franco e era necessário que não houvesse tréguas. Procurou-se que o rei soubesse os motivos da revolta e assinasse um decreto onde permitiria que deportassem para o desterro no ultramar os chefes republicanos. O rei assinou, declarando: “Assino a minha sentença de morte”.

 A 1 de Fevereiro quando o rei e a família real desembarcaram no Terreiro do Paço veio a catástrofe. Embora se tenha justificado que o Rei e o filho foram mortos porque os conjurados não encontraram João Franco, o facto é que havia entre os revolucionários quem entendesse ser necessário “abater” o Rei. O tiro que matou D.Carlos foi desferido por Buiça, um professor primário; o outro tiro, que abateu um jovem príncipe de vinte anos, foi desferido por Costa, um caixeiro duma loja de Lisboa. Ambos carbonários, homens idealistas e fanáticos.

A descrição de Aquilino surpreende num homem que a cultura lusa tem por sumidade, demonstra como até as mentes mais esclarecidas conseguem ficar entupidas de fanatismo. A sua critica à monarquia é básica e as suas observações rudimentares, não superam a fragilidade da coscuvilhice e do mal-dizer, não tem argumentos sólidos, mas a forma como escreve e o que o motiva a escrever, é talvez determinante para chegar à mente dos regicidas e da percepção que estes tiveram naquele segundo em que premiram o gatilho.

Ele escreve: “A geração a que pertenço nasceu revolucionária, as gerações que alvoreceram depois de mim revolucionárias perduram.” Era talvez uma verdade mais romântica do que realista, mas é a partir desta declaração que percebemos muitas das contradições de um tempo que ansiava por uma nova alvorada, de utopia e de sonho, de revolução e de morte, de sangue e de martírio.

O século XX português começa então em 1908, num Portugal já sem grandes certezas da sua missão histórica, pessimista quanto ao futuro, dividido em facções políticas entre ambições e desalentos que gerariam as crises das próximas décadas.
_____________________________
[1] PABON, Jesus, A Revolução Portuguesa, colecção Grandes Estudos Históricos 1959.
[2] CRISTO, Homem, Notas, IV, Lisboa,
[3] RAMOS, Rui, D. Carlos, Coleccção Reis de Portugal, Vol.XXXIII
[4] Idem
[5]RAMOS, Rui, João Franco: uma educação liberal (1884-1897) Análise Social, vol.xxxvi (160), 2001, 735-766, Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa.
[6] RAMOS, Rui, …

Daniel Santos Sousa

A Real Associação de Lisboa é uma estrutura regional integrante da Causa Real, o movimento monárquico de âmbito nacional. Esta é uma associação que visa a divulgação, promoção e defesa da monarquia e da Instituição Real corporizada na Coroa Portuguesa, cujos direitos dinásticos estão na pessoa do Senhor Dom Duarte, Duque de Bragança e em quem legitimamente lhe vier a suceder. Cabe a esta associação a prossecução de iniciativas e de projectos de interesse cultural, social, assistencial e de solidariedade que visem a dignificação, a valorização e o desenvolvimento dos seus associados e da comunidade em que se insere.

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