Desde tenra idade que nutro especial gosto por jornais, revistas, jornalismo e pelo mundo editorial em geral. Foi por isso para mim uma boa surpresa a descoberta tardia de Jacinto Ferreira (1906 – 1995) e do Jornal “O Debate” que fundou e que se veio a tornar numa referência entre os muitos portugueses que não se conformavam com a cristalização da república que o Estado Novo ia promovendo depois dos anos aziagos da Primeira República. Nesse sentido, a Real Associação de Lisboa através da sua Chancela “Razões Reais”, associada à família do indómito monárquico, promoverá no próximo dia 14 de Fevereiro pelas 18:30 no Grémio Literário o lançamento da Antologia “Deus Pátria Rei” que contará com a apresentação do Prof. Manuel Braga da Cruz.
De facto, a resistência monárquica em Portugal teve, ao longo dos últimos mais de cem anos, muitos rostos que correm o risco de serem esquecidos pela História. O que queremos com esta antologia é prestar homenagem a um dos mais importantes protagonistas dessa luta, Jacinto Ferreira, que com o seu pensamento e escrita pautou toda uma geração de monárquicos.
Do muito que escreveu, chamou-nos a atenção este trecho tão realista, aos nossos dias uma verdade dura como punhos: «A doutrinação é a pedra angular de toda a actividade política, não só porque ela contém em si a garantia da expansão de princípios, como também porque só mediante ela é possível criar vontades decididas e convicções capazes de dar corpo aos princípios abraçados. É da adesão das inteligências mais do que das inclinações sentimentais, que há-de resultar a profunda transformação em geral desejada e considerada indispensável para a redenção de Portugal» (Fevereiro de 1956).
Foi imbuído nesse ideal que, com persistência e arrojo, Jacinto Ferreira por ocasião da Revisão Constitucional e da morte do Marechal Carmona em 1951, quando subitamente era recolocada na agenda a questão do regime, fundou o jornal “O Debate”, o mais relevante órgão de comunicação monárquico do século XX, que subsistiu com grande tiragem até 1974. Idealista e lutador, fiel ao ideário integralista, senhor de uma inusitada independência, o cientista e Professor Catedrático da Escola Superior de Medicina Veterinária jamais poupou forças na dedicação à Causa Monárquica, de que são testemunho as páginas deste livro, cujos textos surpreenderão todos aqueles que pensam que não havia debate e confrontação de ideias dentro do regime. Quantas vezes alvo de censura, “O Debate” promovia uma intensa disputa de ideias e opiniões sobre os mais variados temas políticos em agenda na época, realçando sempre com a bandeira realista e proclamando a lealdade à Casa de Bragança na pessoa do Senhor D. Duarte Nuno.
Nestes tempos de exacerbado individualismo, «pobre é quem não tem a quem servir», um empreendimento gratuito, uma utopia que dê sentido e ilumine mais fundo uma existência inevitavelmente árdua. Deus, Pátria e Rei foram esse sentido para Jacinto Ferreira, tornando as suas horas extra dedicadas a “O Debate” um contributo que se revelou fundamental para que possamos aos dias de hoje manter viva a nossa Causa Real. Neste livro, com prefácio de Manuel Braga da Cruz, em quase 400 páginas encontram-se alguns dos seus textos mais significativos, que a chancela Razões Reais publica com orgulho e cujo lançamento a todos se convida presenciar.
Homilia na Missa de sufrágio por Sua Majestade Fidelíssima el-Rei D. Carlos e pelo Príncipe Real, D. Luís Filipe
Introdução.“Quando os pais de Jesus trouxeram o Menino para cumprirem as prescrições da Lei no que lhes dizia respeito, Simeão recebeu-O em seus braços e bendisse a Deus, exclamando: ‘Agora, Senhor, segundo a vossa palavra, deixareis ir em paz o vosso servo, porque os meus olhos viram a vossa salvação, que pusestes ao alcance de todos os povos: luz para se revelar às nações e glória de Israel, vosso povo’.” (Lc 2, 22.28-32).
As palavras de Simeão, “homem justo e piedoso que esperava a consolação de Israel” (Lc 2, 25) introduzem o episódio bíblico da apresentação de Jesus no templo, que se celebra todos os anos, no dia 2 de Fevereiro. Por uma feliz coincidência, esta celebração vespertina coincide com a Missa de sufrágio por el-Rei D. Carlos I e pelo Príncipe Real D. Luís Filipe que, no primeiro de Fevereiro de 1908, deram a sua vida por Portugal.
No aniversário do regicídio é um piedoso costume que Sua Alteza Real, o Duque de Bragança, na sua qualidade de Chefe da Casa Real portuguesa, mande celebrar uma solene eucaristia, não apenas pelas almas das reais vítimas desse atentado, mas também por Suas Majestades as Rainhas D. Maria Pia e D. Amélia, bem como pelo eterno descanso de el-Rei D. Manuel II. Que esta celebração tenha lugar neste magnífico templo explica-se pela contiguidade do Panteão Real, onde depois se rezará um responso pelas almas das pessoas reais aí sepultadas.
Agradeço a presença de todos os fiéis, nomeadamente os Cavaleiros e Damas da Soberana Ordem Militar de São João, também dita de Malta, e da pontifícia Ordem de Cavalaria do Santo Sepulcro de Jerusalém, bem como os representantes das Ordens dinásticas de Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa e de Santa Isabel. Cumprimento ainda os membros presentes de outras Ordens honoríficas, o Secretário-Geral da Causa Real, o Presidente da Real Associação de Lisboa, a quem devo o amável convite para presidir a esta celebração, e o representante da Juventude Monárquica.
Saúdo também os restantes fiéis, esclarecendo que esta celebração, não obstante o significado histórico da data que evoca, não é de natureza política, mas exclusivamente espiritual, ou seja, de sufrágio pelas reais vítimas do regicídio.
Quando Jesus ensinou os seus discípulos a rezar, disse-lhes que, na sua súplica ao Pai, deviam interceder pelos seus inimigos, para poderem também obter a graça do perdão dos seus pecados. Por isso, na oração que o Senhor nos ensinou, dizemos: “perdoai-nos as nossas ofensas, assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido” (Lc 11, 1-4). Imitando o Mestre quando, no alto da Cruz, pediu ao Pai que perdoasse os seus algozes, que desculpou dizendo que não sabiam o que faziam (Lc 23, 34), rezaremos também pelos que, atentando contra a vida do Rei e do Príncipe Real, feriram os nossos mais cristãos e patrióticos sentimentos. Também as suas almas carecem dos nossos sufrágios, na esperança de que a graça do arrependimento final lhes tenha permitido aceder à bem-aventurança celestial.
Ano Jubilar. Para além da feliz coincidência de, neste ano, a Missa de sufrágio pelo Senhor Dom Carlos e pelo Príncipe Real ser também a celebração dominical vespertina da festa da Apresentação do Senhor, há a referir mais uma jubilosa ocorrência, qual é a de nos encontrarmos a viver, por felicíssima decisão do Papa Francisco, um Ano Santo, ou seja, um tempo de especial graça.
Com a proclamação do Ano Jubilar, o Santo Padre a todos convida à prática sacramental da penitência, para assim beneficiarmos do amor misericordioso de Deus. Com efeito, feita a confissão contrita e completa das nossas faltas, Deus concede-nos, por intermédio do confessor, a absolvição sacramental, ou seja, a graça do seu perdão. Embora este sacramento elimine a culpa, bem como a pena eterna devida pelos pecados graves já confessados, não necessariamente extingue a pena temporal por eles devida e que pode ser remida, em parte ou totalmente, pelas indulgências parciais e plenárias, respectivamente. Neste Ano Santo, qualquer fiel pode mais facilmente lucrar, para si próprio ou para um fiel defunto, a graça da remissão da pena a expiar no Purgatório. Aproveitemos, pois, esta ‘porta santa’ que agora se nos abriu para o Céu e renovemos o propósito de tudo fazer para alcançar a glória, procurando que também os nossos familiares, colegas e amigos beneficiem dos tesouros de graça que, neste Ano Santo jubilar, mais copiosamente se nos oferecem.
O paradoxo da Cruz. A feliz circunstância de nos encontrarmos num Ano Santo nos enche de alegria, mas a penosa lembrança que aqui nos congrega evoca, necessariamente, um terrível crime, que parece contradizer o júbilo próprio deste especial tempo de graça.
É verdade que o carácter jubiloso deste Ano Santo contrasta com o luto pela morte das reais pessoas, mas não são sentimentos contraditórios, pelo menos à luz da fé cristã. A visão meramente humana não é capaz de ir além do que é imediato e, nesse sentido, repudia o sofrimento e regozija-se com o prazer. A perspectiva da fé ultrapassa esse imediatismo, porque foi pela Cruz que Deus redimiu o mundo. Este é, com efeito, o paradoxo da nossa fé: o maior crime jamais acontecido, como foi a morte cruenta de Jesus Cristo, foi também a maior bênção dada à humanidade! Com efeito, no sacrifício redentor do Filho, o homem pecador obteve a graça da sua salvação e, pela efusão do Espírito Santo, conheceu o amor misericordioso do Pai!
São Paulo, na sua carta aos romanos, expressa em termos admiráveis este são optimismo, que é, afinal, o realismo da fé: “eu estou certo que nem a morte, nem a vida, nem os anjos, nem os principados, nem as coisas presentes, nem as futuras, nem as virtudes. Nem a altura, nem a profundidade, nem nenhuma outra criatura nos poderá separar do amor que Deus nos manifesta em Jesus Cristo Nosso Senhor” (Rm 8, 38-39).
Aprendamos, pois, a ler a nossa História nacional, mas também a universal e a pessoal, à luz da teologia da cruz, sabendo que, mesmo o que aparenta ser uma desgraça pode ser também uma graça de Deus. E já que sobre graças e desgraças decorre o sermão, permitam-me que recorde que, terminada a Segunda Guerra Mundial, Churchill, o estadista a quem se ficou a dever a vitória dos aliados, perdeu as eleições legislativas na Grã-Bretanha. Ante uma tão ingrata atitude dos seus compatriotas, Sir Winston ficou compreensivelmente abatido. Sua mulher, querendo-o animar, disse-lhe então que, numa aparente desgraça está sempre escondida uma graça de Deus, ao que o marido, com o seu típico humor inglês, replicou: ‘Pois olha que esta graça está muito bem escondida!’ Mais tarde, viria a reconhecer quanta sabedoria cristã havia nas consoladoras palavras da sua mulher porque, apeado do poder, o ex-primeiro-ministro dedicou-se a escrever a história da Segunda Grande Guerra, pela qual ganhou o Prémio Nobel da literatura que, decerto, não lhe teria sido concedido se tivesse continuado à frente do Governo de Sua Majestade britânica!
Talvez nem sempre nos seja dado ver o que de bom há nas situações mais adversas, mas, nesses casos, alcance a nossa fé o que não vislumbra a nossa razão, numa aceitação filial da santíssima Vontade de Deus.
Os caminhos da Providência de Deus. São Lucas relata que “ao chegarem os dias da purificação, segundo a lei de Moisés, Maria e José levaram Jesus a Jerusalém, para O apresentarem ao Senhor, como está escrito na lei do Senhor” (Lc 2, 22-23).
É por ocasião da purificação legal de Maria que, por ser já então “cheia de graça” (Lc 1, 28), dela não carecia, mas a que se quis sujeitar, para nos servir de exemplo de humildade e de obediência à Lei de Deus, que surge Simeão, “homem justo e piedoso que esperava a consolação de Israel”, a quem o Espírito Santo revelara “que não morreria sem antes ver o Messias do Senhor” (Lc 2, 25-26). A sua presença no templo, no exacto momento em que “Maria e José levaram Jesus a Jerusalém para O apresentarem ao Senhor” só pode ter sido, como é óbvio, providencial, como providencial foi também que, então, profetizasse a Maria que o seu Filho “foi estabelecido para que muitos caiam ou se levantem em Israel e para ser sinal de contradição” e, ainda, que uma espada trespassaria o seu imaculado coração (Lc 2, 34-35), porque a lança que já não pôde ferir o corpo morto de Jesus, trespassou, sem dúvida, o coração doloroso de sua Mãe, que estava junto à sua Cruz (Jo 19, 25).
Para além das vítimas principais do regicídio, el-Rei D. Carlos e o Príncipe Dom Luís Filipe, importa não esquecer que também o foram, de certo modo, as Rainhas D. Maria Pia, que nele perdeu seu filho e neto primogénitos, e D. Amélia, que também sofreu a perda de um filho e a de seu marido. Se nos indigna a cobardia dos assassinos, que nem sequer se atreveram a enfrentar as vítimas, que abateram cobardemente, também nos orgulha o heroísmo do Príncipe Real, que foi o primeiro a erguer-se para defender o seu augusto Pai, dando pelo Rei a sua tão promissora vida, bem como o da Rainha Dona Amélia que, erguendo-se, se expôs valerosamente às balas, numa desesperada tentativa de defender el-Rei D. Carlos e os príncipes seus filhos. O Rei e o Príncipe herdeiro foram mortos, mas morreram como heróis, enriquecendo a glória da sua Família e a de Portugal, com o mesmo sangue que mancha a memória dos seus traiçoeiros assassinos, bem como o regime implantado à custa de um tão hediondo crime.
Outras duas personagens que intervieram valerosamente nessa ocasião caíram, contudo, no esquecimento, não obstante ambas terem sido também baleadas pelo principal regicida, que foi o autor material do assassinato de el-Rei e do Príncipe Real. Trata-se de dois militares que, naquela hora trágica, reagiram com a valentia que se espera de um verdadeiro português: o soldado Henrique Alves da Silva Valente, que o não era só de nome, e o Tenente Francisco de Paula Figueira Freire da Câmara que, como estava de serviço como oficial às ordens do Rei, acompanhava, a cavalo, o landau real. Não obstante a sua diferente condição social, ambos souberam defender o seu Rei, como se o povo e a nobreza, que representavam pelas suas respectivas proveniências, neles se unissem para prestar um derradeiro testemunho de lealdade à Pátria e à Família Real.
Lê-se num recente estudo sobre o regicídio que, logo depois de disparados os tiros que vitimaram o Rei e o Príncipe Real, “um soldado de apelido Valente cai sobre Buíça, que lhe desfere um tiro sobre a coxa esquerda (…). O oficial às ordens de sua Majestade, Tenente Figueira Freire, desembainha o sabre, acutila Costa, já caído por terra, e como um relâmpago cai sobre Buíça. Reage o assassino e uma vez mais, calmamente, vendo-se acossado pelo oficial, pára e dispara, atingindo-o na coxa direita. Aos gritos de ‘assassino’, Figueira Freire atravessa Buíça com o sabre, à altura dos rins. E ali mesmo foi agarrado por populares e por soldados. Apesar de muito ferido, o assassino ainda teve forças para morder a mão de um dos expedecionários, que lhe desferiu um tiro na cabeça. E o Tenente Figueira, levemente curvado sobre a coxa direita”, ferida por uma bala do regicida, “gritava de cima do cavalo: ‘Dêem-me a carabina desse assassino!...’ Dos cinco tiros que o carregador da Winchester comportava, Buíça não falhou um único!” (Miguel Sanches de Baêna, Diário de D. Manuel e estudo sobre o regicídio, Publicações Alfa, Lisboa 1990, págs. 183-184). Caso para dizer que o regicida teve uma sorte dos diabos.
Neste relato, impressiona tanto a violência dos agressores como a fúria dos defensores, mas não se equiparem ambas acções porque, enquanto uns agiram criminosamente, outros fizeram-no em legítima defesa, não apenas do seu Rei, mas também da Pátria. Por isso, enquanto os primeiros carecem do nosso perdão e dos nossos sufrágios, a nossa oração pelas reais vítimas há-de ser de acção de graças e de louvor: que Deus os tenha na sua glória e que a Pátria nunca esqueça o seu sacrifício!
Conclusão. Na leitura da profecia de Malaquias, ouvimos a “fala do Senhor Deus: ‘Vou enviar o meu mensageiro, para preparar o caminho diante de Mim’” (Mal 3, 1). Honremos a memória de el-Rei D. Carlos e do Príncipe D. Luís Filipe, mártires da Pátria que, com o holocausto das suas vidas, nos ensinaram a gastar as nossas existências ao serviço de Deus e de Portugal. Eles, vítimas do ódio, foram mensageiros da paz, que é, decerto, o seu principal legado e maior herança, mas também da caridade cristã, porque “não há maior amor do que dar a própria vida pelos seus amigos” (Jo 15, 13).
Lembremos também o soldado Henrique Valente e o não menos valente Tenente Francisco Figueira Freire que, mesmo feridos com gravidade, lutaram pelo seu Rei e pelo seu país, honrando as suas fardas com o testemunho supremo da heroicidade. O seu exemplo não é apenas para os militares, porque todos os portugueses, qualquer que seja a sua condição e profissão, devem estar também comprometidos com uma causa que os transcende, como é o serviço do bem comum e da nação.
Que bem soube expressar este espírito de serviço e de missão o inspirado autor da Mensagem, através da voz anónima do homem do leme! Recorrendo, nesta véspera da festa da apresentação do Senhor, à intercessão da nossa Padroeira e Rainha, Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa, façamos nossa essa prece que, com a audácia dos santos e a coragem dos heróis, desafia o destino: “Aqui ao leme sou mais do que eu: sou um Povo que quer o mar que é teu! E mais que o mostrengo, que me a alma teme, e roda nas trevas do fim do mundo, manda a vontade, que me ata ao leme, de El-Rei D. João Segundo!” (Fernando Pessoa, Mensagem, Lisboa 1934, Parceria António Maria Pereira, pág. 56).
Desconfio que por detrás da grande adesão popular à candidatura de Gouveia e Melo revelada pelas sondagens, está um sentimento de orfandade de muitos portugueses do seu Rei, pátria em figura humana, reserva moral de um povo inconscientemente à procura de um sentido superior de existência, acima da mesquinhez das inevitáveis bravatas entre facções e disputas entre partidos e grupos de interesses.
Parece-me que a figura de Gouveia e Melo, por enquanto em silêncio – e muito por causa disso - em certa medida corresponde a esse imaginário, o de um Chefe de Estado, sóbrio, austero e patriota – em tudo diferente ao actual incumbente. Mas o Almirante não tem a legitimidade de um rei, e em breve ver-se-á obrigado a despir a garbosa farda e descer ao ringue para enfrentar os outros candidatos para uma luta intestina, a esgrimir golpes baixos, às vezes na lama.
Se a república nos provou alguma coisa é que os portugueses aguentam tudo, até terem o Rato Mickey como Chefe de Estado se a tal forem obrigados.
Ontem, fora de horas, tendo apanhado um Uber conduzido por um jovem negro, reparei no facto curioso de o mostrador do rádio exibir uma emissora de Luanda. Porque a viagem era longa, para fazer um pouco de conversa, perguntei-lhe se era natural da capital de Angola, ao que o motorista me respondeu que não, que era oriundo de Cabinda. Então, veio à liça a sua preocupação com o abandono do governo angolano deste riquíssimo enclave e da permanência do latente conflito do seu povo que sente merecer outra atenção, talvez o reconhecimento de alguma autonomia administrativa face a Luanda. Com um discurso estruturado e muito razoável face a este sensível imbróglio, foi com alguma surpresa da minha parte que o ouvi traçar rasgados elogios ao Duque de Bragança, que o jovem angolano considerou como um dos protagonistas com uma posição mais equilibrada e independente sobre o assunto.
De facto, há décadas que, longe dos holofotes e sem reclamar estrelato, o Senhor Dom Duarte percorre os territórios e comunidades da antiga portugalidade, onde é acarinhado e muito respeitado, a construir pontes e semear laços de paz.
Foi um surpreendente e consolador testemunho, este que ontem me foi dado viver.
O ano de 2024 tem sido para Portugal um ano marcado por uma carência grave de estabilidade governativa, sem a qual qualquer governação se vê incapacitada de fazer face aos problemas do país. Foram várias as situações que vivemos, com particular destaque para as coligações negativas entre partidos da oposição que forçaram decisões que vão contra o programa do Governo eleito, gerando uma incerteza grande face ao futuro.
Esta situação, decorrente da recomposição do panorama partidário português pode exigir uma reflexão sobre o nosso sistema eleitoral e sobre a necessidade da sua reforma. O sistema de representação proporcional torna o parlamento excessivamente fragmentado, dificultando a obtenção de maiorias para governar. Esta situação obriga a coligações que não conseguem terminar o seu mandato ou têm muita dificuldade em cooperar.
Precisamos de um sistema eleitoral que aproxime os cidadãos dos eleitos, que favoreça o aparecimento de maiorias, a governabilidade, a estabilidade, e que, simultaneamente, potencie ao máximo a proporcionalidade, através do círculo nacional. Um sistema misto parece impor-se, que conjugue sistema maioritário e proporcional, com um duplo voto para a eleição do parlamento.
O fim da estabilidade é favorecer o crescimento económico, sem o qual não se pode enfrentar de forma eficaz e duradoura a redução dos problemas da pobreza.
Durante os últimos anos, Portugal enfrenta novos desafios, um pouco à semelhança do resto da Europa. Destes desafios, talvez o maior seja a natalidade e imigração. O país precisa urgentemente de uma política de imigração e de uma política de natalidade. Actualmente, temos uma política frágil nesta área sem qualquer estratégia clara. Há mesmo quem pareça querer diminuir o número de portugueses e substitui-lo por não portugueses. A situação é complexa, mas a experiência mostra que os países que não controlaram a imigração estão a sofrer gravíssimas consequências.
A imigração controlada permite que esses homens e mulheres sejam devidamente apoiados a fim de não correrem o risco de serem explorados e lançados à mendicidade ou recorrerem a práticas ilegais. A política de atribuição de vistos tem que ser urgentemente adaptada à realidade atual para impedir o agravamento das consequências do descontrolo imigratório. Aos que acreditam que estes imigrantes contribuem para a sustentabilidade da segurança social, há que lembrar que uma grande parte desses imigrantes não encontram ou não estão interessados em trabalhar em Portugal, usando o nosso País como plataforma para a Europa.
Por outro lado, são necessários verdadeiros incentivos à natalidade, para que as famílias portuguesas possam ter os filhos que querem. O país precisa também de uma política de dignificação da família.
Nestes últimos anos, o país tem conhecido um clima de insegurança nas periferias urbanas, que obriga a reflectir sobre a necessidade de respeitar as forças de segurança e cuidar da inclusão social das periferias. É preciso reconhecer o compromisso diário das nossas forças policiais em proteger as nossas comunidades, muitas vezes em condições difíceis e com recursos limitados.
A sociedade portuguesa confia na sua dedicação e profissionalismo que são fundamentais para preservar a paz e a ordem pública.
No seguimento destas preocupações, é também urgente reforçar a unidade nacional prestando atenção à desertificação do Interior. Os portugueses do interior são portugueses de pleno direito. Não faz sentido retirar serviços (tribunais, finanças, escolas, hospitais…) e continuar a dizer que se pretende fixar populações no interior. Os incêndios são em parte consequências deste abandono.
Este abandono sente se não tanto nas vilas sedes de concelho, mas mais nas aldeias de onde uma parte da população vem viver para as vilas e outra parte para as cidades ou para o estrangeiro.
Quanto a esta situação, recomendo vivamente a leitura do livro “porque sou monárquico” que resume a obra de uma vida, do amigo, Arquiteto Gonçalo Ribeiro Telles. Ele foi o responsável para que a ecologia passasse a ser uma preocupação política do Estado, promovendo grande parte das leis actuais sobre o ordenamento do território e a promoção de uma ecologia preocupada com a natureza, mas tendo em vista o bem-estar da população. Em suma, uma ecologia verdadeiramente humanista.
A técnica que ele defendeu para impedir o alastramento dos incêndios florestais não têm sido postas em prática e a consequência está à vista com a continuação dos grandes incêndios florestais.
Infelizmente, muitas das suas reformas não têm sido respeitadas pelas autoridades regionais e nacionais em parte por ignorância e também por interesses políticos e económicos imediatos.
É urgente também que o Estado cumpra as suas tarefas de soberania: para além das Forças Armadas (cumprindo a o compromisso de destinar 2% do PIB à Defesa), também a justiça precisa de ser reforçada, para a tornar mais rápida e eficiente. O sistema prisional precisa de repensar a segurança e de cuidar da reintegração dos reclusos.
Perante a deterioração da paz a nível mundial – guerras da Ucrânia, no Medio Oriente e o terrorismo em Moçambique – é urgente dignificar e reforçar as Forças Armadas Portuguesas, para que possa responder aos seus compromissos internacionais, mormente no âmbito da NATO. A procura da paz, obriga a estarmos preparados para enfrentar os riscos de guerra.
Assim, mais uma vez manifesto a minha gratidão às nossas Forças Armadas por defenderem os valores e interesses nacionais dentro e fora de Portugal. Num período em que a segurança europeia enfrenta grandes desafios, a capacidade e o sacrifício destes homens e mulheres reforçam a confiança dos portugueses na sua missão de garantir a soberania e a estabilidade.
Noutro sector distinto, gostaria também de agradecer aos profissionais de saúde por continuarem a darem o melhor de si, mesmo perante adversidades que temos conhecido ao longo dos últimos anos. O seu esforço incansável, especialmente nos momentos mais críticos, é indispensável para assegurar um sistema de saúde digno e acessível a todos os portugueses.
Com o esforço e a dedicação de cada um, certamente Portugal continuará um País seguro, forte e saudável.
No que diz respeito ao ambiente, uma das minha principais preocupações, gostaria de destacar a importância da sustentabilidade ambiental e propor ações concretas, tais como: a Preservação dos Recursos Naturais (tais como o Incentivar de práticas de conservação de água, reflorestamento e proteção da biodiversidade); o uso de uma Energia Limpa (com o apoio ao uso de energias renováveis, como solar e eólica, promovendo a independência energética); uma Economia Circular (encorajando políticas que reduzam o desperdício e priorizem a reciclagem e reutilização) e uma reforçada Educação Ambiental (reforçando a sensibilização pública sobre mudanças climáticas e responsabilidade ambiental).
Essas minhas sugestões têm o objectivo de alinhar tradição e inovação em favor do ambiente.
Hoje, em tempos de desafios e oportunidades, reforço meu compromisso com Portugal e seu futuro. A nossa nação, rica em história e cultura, enfrenta grandes obstáculos, tais como a recuperação económica, o bem-estar social e o fortalecimento de nossas instituições democráticas.
Como chefe da Casa Real, enalteço o valor da unidade nacional. Apelo à colaboração entre setores públicos e privados para fomentar inovação, inclusão e sustentabilidade. Juntos, construiremos um Portugal mais próspero, com respeito ao passado e determinação pelo futuro.
Como sempre, a minha família eu próprio estamos à disposição dos portugueses para servir no que for entendido como necessário.
Desejamos a todos um feliz Natal e um ano de 2025 abençoado por Deus!
Bandeira da Carbonária (organização terrorista secreta republicana).
Depois de aqui há anos, no centenário da República, ter sido realizado o maior escrutínio historiográfico alguma vez feito a este período negro da nossa história, seria natural que os bem-intencionados titulares do regime se envergonhassem um pouco no momento de o festejar: a revolução de 5 de Outubro de 1910, definitivamente, não merece quaisquer celebrações num país que pretenda ser civilizado.
Mas, porque a memória é curta, atrevo-me a fazer hoje uma pequena síntese daquele período de terror, emergente do feroz regicídio, o assassinato do Rei Dom Carlos e do Príncipe Dom Luís Filipe, acicatado pelas mais indecorosas campanhas de propaganda populista pelos extremistas na imprensa livre das cidades de Lisboa e Porto, que fariam corar de vergonha os seus homólogos da actualidade.
Poucos anos antes de 1910, o PRP era um partido sem implantação nacional, só com alguma expressão nos grandes centros urbanos, como acontece actualmente com os partidos da esquerda radical: as suas estruturas paroquiais não funcionavam, e os seus líderes detestavam-se passando o tempo em intrigas e guerras intestinas. Por isso, apesar dum crescimento no reinado de D. Manuel II, entre os anos de 1908/10, o triunfo da República no 5 de Outubro foi recebido com surpresa e incredulidade por quase todo o país, em particular pelos próprios republicanos. São muitos os testemunhos nesse sentido. Os portugueses, ainda mal refeitos do escândalo do regicídio, nem imaginavam o que os esperava.
O facto é que, nos tempos que se seguiram à revolução, foi implantado um dos regimes mais intolerantes e violentos que Portugal alguma vez teve. Com a demissão ou exílio das antigas elites, militares e civis, a aceleração da decadência das instituições, o caos da vida pública, as prisões políticas em massa, os assassinatos, as bombas e tiroteios, a repressão da imprensa livre, materializada na destruição, assalto e violência exercida sobre os jornais e os jornalistas, o processo atingiria píncaros impensáveis a 19 de Outubro de 1921.
A Camioneta Fantasma.
Nesse dia, um levantamento militar obscuro conhecido por Noite Sangrenta, fez percorrer uma “camioneta-fantasma” por Lisboa em busca de diversas figuras do regime republicano, que foram executadas a sangue-frio por um grupo de marinheiros chefiado pelo Cabo Abel Olímpio, homem sinistro conhecido pela alcunha de “Dente d’Ouro”. O País, há muito arrastado pelo chão, afundava-se na lama. Nessa terrível noite, foram assassinados entre outros, o Presidente do Conselho de Ministros, António Granjo, e Machado Santos e Carlos da Maia, “heróis da Rotunda”. A instabilidade política e social que, entre 1910 e 1926, resultou em 45 governos e sete presidentes da República, um dos quais assassinado a tiro (Sidónio Pais), reflecte bem um país sem rei nem roque.
Todo este processo de violência e acelerada decadência, a perseguição aos católicos, que eram a grande maioria dos portugueses, os assaltos e encerramentos de jornais, a restrição acentuada do direito de voto, as prisões políticas, a criação da Formiga Branca, e todo o terrorismo patrocinado pelo Estado, contribuiu definitivamente para o golpe militar de 1926 e a emergência do Estado Novo. O silêncio acrítico da maioria da historiografia do Estado Novo quanto ao regime tenebroso que o antecedeu foi por certo um alto preço pago por Salazar para manter o apoio dos republicanos, deste modo postos em sossego.
Piquete da Formiga Branca.
Como seria de esperar, as promessas republicanas de delirantes amanhãs que cantavam depressa se revelaram em desavergonhadas mentiras. Desde logo quanto à discriminação da participação política das mulheres na vida pública. De facto, foi a I República que excluiu pela primeira vez as mulheres da vida cívica, ao negar-lhes por lei o direito de voto, depois de a médica Beatriz Ângelo ter alcançado esse intento ao votar nas primeiras eleições republicanas, em 28 de Maio de 1911, aproveitando as indefinições existentes no enunciado de uma Lei… da monarquia. Quando se falou do voto feminino pela primeira vez na Assembleia Constituinte de 1911, a sugestão foi recebida com uma frase curta, lacónica, recusando categoricamente a utilidade do voto feminino: “Tem dado lá fora (o alargamento do sufrágio) mau resultado porque as mulheres têm sido quase todas reaccionárias” (Actas da Assembleia Nacional Constituinte. Sessão n.º 21, de 14 de Julho de 1911). Na “História da República”, de Raúl Rego, pode ler-se que a legislação de 1913 retirou o voto aos analfabetos e às mulheres, significando isto que “a República, na igualdade dos sexos, voltava sobre si mesma e à discriminação da mulher, anjo do lar”. A “democracia” emergente do 5 de Outubro assentou na redução do eleitorado de 70% para 30% dos homens adultos em Portugal…
Convite para sessão inaugural da Assembleia constituinte – só para homens.
Com o 5 de Outubro de 1910 iniciou-se um período de violenta perseguição religiosa em Portugal. A Igreja viveu por esses dias um período de semiclandestinidade durante o qual diversos membros do clero foram sujeitos à prisão, a maus-tratos e à morte. No Natal de 1910, com as Igrejas tomadas pelos republicanos, a Missa do Galo foi celebrada à porta fechada, com acesso limitado, e poucos tinham acesso aos “bilhetes” de entrada distribuídos às escondidas.
Curiosamente, não será coincidência a acrisolada devoção dos republicanos ao Marquês de Pombal, na mesma medida em que tomaram os jesuítas como bodes expiatórios, tão insistentemente perseguidos pela propaganda revolucionária. É sintomático que a reverência ao tirânico primeiro-ministro de Dom José tenha perdurado ao longo das décadas, e a sua estátua, a maior de Lisboa, tenha sido inaugurada em 1934 em pleno Estado Novo. De facto, o Marquês de Pombal, além da perseguição aos jesuítas, era tido por um herói inspirador do Partido Republicano Português. O seu centenário foi celebrado ruidosamente pelo PRP, em 1882, e sobre o déspota foram proclamados os maiores encómios, como este: “A barbaridade, essa era do tempo e nada tem que admirar no supplicio dos Tavoras. O que temos a notar, porem, é que o rigor do ferreo ministro cahia egualmente implacável sobre nobres e plebeus, sobre os poderosos e sobre os parias!”; ou este: “O despotismo, a tyrannia de que se argue Pombal, era imposta pelas necessidades, como o único meio de chegar à liberdade” (M. Emygdio Garcia). Robespierre e Saint-Juste não diriam melhor.
Caricatura de Afonso Costa.
Os jesuítas foram impiedosamente acossados, nos dias seguintes à implantação da República, e são sinistros os relatos do jornalista Valentine Williams, correspondente doNews-Chronicle que chegara a Lisboa para testemunhar os acontecimentos. O seu relato do bombardeamento e assalto popular ao colégio jesuíta do Quelhas é impressionante, tendo o próprio, ao ser confundido com um padre da Companhia, sido detido, preso por uma corda, arrastado e conduzido à sede do Governo Civil, onde conseguiu identificar-se e ser libertado, não sem antes lhe terem inspeccionado a nuca à procura da tonsura. Na sequência do seu testemunho da destruição em curso no Colégio, dirigiu-se ao Ministro dos Negócios Estrangeiros, Bernardino Machado, pedindo-lhe que pusesse cobro à destruição da valiosa biblioteca. A resposta do futuro presidente da República – que curiosamente ou talvez não, não acabou nenhum dos seus dois mandatos – foi lacónica: “A propriedade desses patifes está sequestrada pelo povo Português”, declarou com a solenidade de um mocho. “O povo está no seu direito. Não há nada que eu possa fazer. Bom dia”.
Dos milhares de presos políticos da Primeira República também pouco se fala. Em 1913, já as notícias sobre maus-tratos que lhes eram infligidos tinham transposto fronteiras e conquistado as atenções da opinião pública nos países com mais ascendente sobre a nação lusa. Os grandes órgãos da imprensa britânica, oTimes,oSpectator,oMorningPost, reproduziam, com abundância de pormenores, os casos de humilhação, violência, tortura, abuso de poder e tratamento desumano nas prisões portuguesas – a República tinha, por exemplo, adoptado o humilhante capuz penitenciário. A Duquesa de Bedford, presidente da Associação de Visitadoras de Prisões, deslocou-se a Portugal nos princípios de 1913 e visitou várias prisões, onde encontrou motivos para um indignado protesto que publicou em Londres. Sobre este assunto aconselha-se vivamente a leitura do livro biográficoConstança Telles da Gama – Fio-de-Prumo,da autoria de Maria João da Câmara, que inclui pungentes testemunhos da selvajaria infligida a todos aqueles, das mais diversas classes sociais (os mais indefesos naturalmente, eram os mais humildes), que foram denunciados e detidos como monárquicos.
São contundentes os números relativos ao ensino, apresentados por Rui Ramos na suaHistória de Portugalpublicada pela Esfera dos Livros: “O número de escolas primárias em funcionamento, que subira de 4.665 em 1901 para 6.412 em 1911, continuava em 6.750 em 1918. A taxa de escolarização, depois de aumentar de 22,1% para 29,3% entre 1900 e 1910, quase estagnou até 1920 (30,3%). Entre 1911 e 1920, o analfabetismo na população maior de 7 anos recuou apenas de 70,2% para 66,2%, isto é, desceu menos que entre 1900 e 1911”. Empenhados em reprimir o país que rebeldemente lhes resistia, cada vez mais miserável, a velha promessa de prover educação ao povo, “e acabar com a acabar com a religião católica em Portugal em duas gerações” – como declarou Afonso Costa, quando era ministro da Justiça e Cultos – poucos resultados teve.
No que respeita à censura e ao controlo da imprensa, o método utilizado na maioria das vezes foi o do empastelamento, do assalto e da destruição dos jornais que se atreviam a confrontar o regime, pela Formiga Branca, uma autêntica polícia política irregular, antecessora da PIDE, que existiu na órbita do Partido Republicano. Durante esse período, o regime estabeleceu formas imaginativas, directas e eficazes de impedir o acesso do público aos textos críticos ou condenatórios do regime: o uso do assalto, da apreensão, da suspensão, e até da censura sem fundamento legal de jornais ou artigos foi tão frequente e continuado, que, no seu conjunto, constituiu um sistema repressivo sólido e consistente. A estratégia era a sustentação de um regime que não aceitava a contestação dos seus fundamentos, e de uma classe política que não arriscava colocar em jogo a sua permanência no poder. É irónico que os ardinas tenham sido das maiores vítimas da Formiga Branca: quando apanhados viam-se despojados dos jornais, cuja venda era o seu ganha-pão. As correrias dos ardinas, em fuga pelas ruas do Bairro Alto, eram acontecimento quotidiano.
O Ardina a fugir do Guarda Republicano, inPapagaio Real, 1914.
Sabemos que os herdeiros dos revolucionários de 1910 subsistem nos dias de hoje em Portugal. Habitam as margens radicais da esquerda portuguesa. Sendo uma minoria, têm exposição e palco desproporcionados à sua verdadeira dimensão. Ainda que muitos o não confessem, sabemos, até porque lemos o que escrevem e ouvimos o que dizem, que dificilmente hesitariam em usar métodos semelhantes se o sistema o permitisse. Mas, mesmo assim, julgo que isso não justifica que não se comece a pensar em reformar o feriado do 5 de Outubro, associando-o a um acontecimento capaz de unir e mobilizar os portugueses, o da assinatura do Tratado de Zamora em 1143, consensualmente considerado o momento da fundação da nacionalidade.
O que passou está passado; as feridas, mesmo as mais profundas, estão, para a maioria dos portugueses, já curadas e mesmo esquecidas. Já não há justiça que se possa fazer. Mas ainda podemos ansiar por um futuro mais harmonioso que faça justiça à nossa História comum. Hoje, por esse país fora, em Lisboa, Coimbra e Guimarães, de forma invisível, celebra-se o 5 de Outubro bom. Nesse sentido, celebremos 1143 que é de todos e esqueçamos 1910 que foi de muito poucos.
Para quem tenha a paciência de me ler, aqui vão os meus cinco tostões para o peditório emergente das eleições presidenciais de 2026:
Não sendo tradição em Portugal o Chefe do Estado ser o responsável pelo governo do País, cabendo-lhe “apenas” um papel de mediação e de representação (sei bem das ambiguidades da constituição semipresidencialista quanto aos limites da sua actuação) é para mim um profundo enfado o ritual quinquenal da luta partidária para o lançamento das putativas candidaturas ao cargo. É como se a Nação fosse obrigada a encarar uma mudança de bandeira ou de hino a cada cinco anos.
Por alguma razão facilmente se intui a tese corrente de que os portugueses reelegeriam continuamente um presidente da república com mediana popularidade e razoável sentido de Estado até que uma doença o incapacitasse ou a morte o levasse, não fosse o limite constitucional dos dois mandatos. Para dar um exemplo ao gosto dos republicanos mais empedernidos, não fosse essa limitação legal, é difícil imaginar Mário Soares, se lhe fosse possível continuar a concorrer, alguma vez derrotado. “O povo português é sábio”, diz por aí a opinião publicada, quando é do seu interesse. O povo português é intrinsecamente monárquico, digo eu…
“O povo português é sábio” quando não é ignorante e volúvel, e é por isso que periodicamente as “elites” têm de se impor à força para o educar, para o curar dos maus vícios e ignorância, como aconteceu no 5 de Outubro de 1910, quando esses generosos revolucionários cuidaram até de mudar os símbolos nacionais. A Nação com 800 anos, há muito consolidada na língua e nas fronteiras, tudo parece aguentar com assinalável bonomia ou conformismo. Até umas eleições para a Chefia de Estado, que no fundo, no fundo, não nos interessa muito. Andamos há oito anos a afeiçoarmo-nos aos modos e idiossincrasias do presidente que nos calhou em sorte e agora os partidos esguedelham-se para lá pôr outro, o seu, quando já tínhamos assimilado o Marcello? Não há direito…
Evidentemente que a agitação política que umas eleições presidenciais proporcionam têm a vantagem de animar o jornalismo e comentariado político, é uma mina para parangonas de jornais e debates televisivos, que gradual e inevitavelmente atrairão algum interesse do português médio conformado, mesmo sabendo que as promessas de “amanhãs que cantam” pelos candidatos, são panaceia, entretenimento, uma democrática “fantasia benigna” a que todos afincadamente nos dedicaremos a tentar levar a sério. Afinal de contas, ao Chefe do Estado Português, mesmo no nosso ambíguo sistema semipresidencial, não cabe governar. Cabe representar o seu povo com dignidade e parcimónia.
Ao contrário do que se pensa, o nosso actual regime semipresidencialista é herança da monarquia liberal, característica que os autores da Constituição de 1976 acharam por bem repescar. A sua ambiguidade durante o “Liberalismo”, permitiu estilos de reinados bastante diferentes: o do Rei Dom Luís, que grosso modo se limitou, mantendo higiénica distância, a deixar os partidos governarem. Já o seu sucessor, o rei Dom Carlos, para mal dos seus (nossos?) pecados, usando-se dos instrumentos constitucionais e da magistratura de influência, teve a veleidade de querer reformar o regime em acelerada degradação. Pagou isso com a vida.
Talvez fosse tempo de olharmos para o nosso regime de Chefia de Estado e conferir-lhe mais dignidade. Vivemos todos bem entretidos, mas verdadeiramente não sabemos se um dia será mesmo necessária.
Tenho na mão mais do que um livro e tenho dificuldade em caracterizá-lo. A sua capa esclarece que se trata de uma visão mística e poética dividida em oito testemunhos, oito itinerários e oito arcanos e os editores sublinham a circunstância de esta ser uma narrativa pessoal acerca de episódios da história de Portugal. Que me perdoe a edição, mas encontro nele muito mais.
Fosse esta apenas uma narrativa pessoal e não ressoaria nela tanta gente, não seriam percorridos tantos sítios já (des)conhecidos, não nos encontraríamos subitamente connosco e diante de outros. Foi uma alegria especial poder lê-lo, aprender tanto e recordar muito.
Na afonia colectiva em que tristemente decaímos, Paulo Teixeira Pinto ofereceu a sua voz a muitas das melhores que compõem a que deveria ser a nossa e que contribuíram para nos unir no destino octogonal – sincreticamente temporal, espiritual e infinito - que extravasou fronteiras e as eras e rompeu resolutamente “as arcas e os odres”, como a Malta das Naus de António Gedeão, que também ali surge, ortonimamente, para nos recordar o mar e a barca que fomos e que se (a)fez àquele.
De todos os testemunhos na primeira pessoa, tocou-me o desejo de desprendimento do Desejado, cansado de o ter sido e de deambular, Encoberto, na periferia da morte eterna onde Deus (ainda) o não quis receber. Terá o Senhor D. Sebastião finalmente conhecido a cor do medo, já que se terá mantido resolutamente acrómico enquanto morria devagar? Terão as guitarras jazentes - dez mil segundo Catherine Clément -, tangidas pela areia e pelo vento que primeiramente amortalharam a El-Rei, trinado alguma nota dolorida e elegíaca em sua memória? Terá alguma embalado o eterno sono acordado daquele que fechou a coroa portuguesa e reclamou para si a capitania dos exércitos de Deus?
A imagem errante e impetrante por terras da não-vida da fatal Alteza que se fez Majestade recordou-me a mais comezinha, mas não menos dramática, figura do Judeu no Auto da Barca do Inferno. A este, nem o Diabo queria, mas, até a este, foi-lhe permitido seguir à toa - atrelado à Barca onde não podia sequer pôr pé - rumo ao castigo infindo. D. Sebastião apenas pede a condição de servo, o perpétuo esquecimento e um fim definitivo.
Paulo Teixeira Pinto revisitou a “gentileza”, «requisito e pressuposto mandatório para se poder vir a ser ordenado cavaleiro» constante das Ordenações Afonsinas, e os três modos de a alcançar: «a primeira, por linhagem; a segunda, por saber; a terceira, por bondade».
Talvez uma das nossas maiores imperfeições colectivas tenha sido a de, historicamente, termos privilegiado a palavra “fidalgo” como designação indutora de reverência enquanto relegámos “gentil-homem” para os ofícios da Corte: escolhemos para os Grandes o caminho pessoalmente menos exigente - limitado à ascendência - e essa aparente dispensa do dever, a que felizmente nem todos cederam, ter-se-á reflectido num menor esforço generalizado de aperfeiçoamento.
Deambulei por entre as páginas e encontrei nelas sons, cheiros, sabores e luz, e não só velas expiatórias; luz que vislumbro poucas vezes na maioria dos olhos daqueles com quem me cruzo. Desconfio que estejam resignados ao reino contrito e exangue, que Teixeira Pinto também e tão bem descreveu, em vez de sonharem e construírem aquele que deveria ser o nosso: vencida «a ânsia que aguarda a espera», percorrida a «distância que resguarda a esfera. A esfera onde todos somos um só em comum. E em que nenhum está só perante um outro algum». E que ainda pode vir a sê-lo.
Talvez porque nunca conheceram outro. Talvez porque nunca se deixaram maravilhar pela vida, pelo espaço e pelo horizonte desse PORTVGAL sem fim. Talvez porque nunca navegaram em alto mar revolto ou ajoelharam no Convento de Cristo e no Campo de São Jorge ou algum dia falaram em seu nome. Talvez porque não tocaram as pontas do Império desfeito e nem sentiram vontade de se enlaçar nelas armilarmente. Talvez porque nunca se acolheram ao cuidado do seu Anjo Custódio, o único no mundo especialmente encarregado da protecção de um Reino, como nos recorda o autor.
Talvez porque ainda não encontraram nos outros, que também somos nós, aquilo que nos falta para o sermos efectivamente: «A verdadeira essência de um povo» é sobretudo definível «pela intenção e pela intensidade do que seja capaz de partilhar.»
Talvez porque nunca viram militares, antigos inimigos, abraçarem-se, em português, entre lágrimas, gargalhadas e vinho. Talvez porque, depois do lamento de saber como se morre por nada, de Couto Viana, já não se saiba sequer por que se vive.
PORTVGAL de Paulo Teixeira Pinto não é apenas uma narrativa pessoal, é um breviário, um mapa, um descodificador e uma romagem polifónica ao Reino que se recusa a morrer. Um lúcido e encantado «mergulho no fundo do sonho» - para regressar a Gedeão -, saudade feita clamor… pelo futuro.
Escapará por certo a muita gente que Gonçalo Ribeiro Telles, entre os anos cinquenta e setenta do século XX, assumiu um importante papel na transição do regime, que culminou com a sua eleição como deputado da AD e designação para Ministro da Qualidade de Vida do governo de Francisco Sá Carneiro. Tal percurso aconteceu, resumidamente, com a criação em 1957 do Movimento dos Monárquicos Independentes, a que se seguiria o Movimento dos Monárquicos Populares, com a posterior integração em 1969 na Comissão Eleitoral Monárquica, para concorrer à Assembleia Nacional. Hoje mais conhecido como fundador do movimento ecologista em Portugal, Ribeiro Telles sempre foi para mim um exemplo da moderação e da abrangência política particularmente relevante num líder monárquico. Como já referi por diversas vezes, a chefia de Estado Real, o rei, só o será algum dia enquanto máximo zelador da liberdade de todos, todos, todos. Uma monarquia, na complexidade das sociedades actuais, só poderá perdurar assente em largos e profundos consensos duma nação antiga como a nossa, que legitimem a prevalência dessa tradição.
Independentemente do falhanço do equívoco projeto partidário do PPM, que Ribeiro Telles fundou com algumas das mais excepcionais personalidades políticas de então, como Henrique Barrilaro Ruas, Francisco Rolão Preto e Augusto Ferreira do Amaral, a sua liderança e autoridade — que extravasou o âmbito dos monárquicos — sempre me mereceu profundo respeito. Não partilhando muitas das suas referências ideológicas, admiro-o como o comunicador cativante e inato que foi, como católico praticante, e pela manifesta lealdade à Causa Real e à Casa de Bragança, na pessoa do Senhor Dom Duarte, que perdurou até ao fim da sua longa vida. Até poucos anos antes da sua morte em 2020, fez questão em participar na vida da Real Associação de Lisboa, de que era membro, e com ele tive o privilégio de me cruzar em Assembleias Gerais e de o entrevistar para a revista que publicamos.
É porque esse seu protagonismo na política portuguesa tende a ser esquecido e menosprezado pela tirania politicamente correcta, que a Real Associação de Lisboa, no âmbito das celebrações do 50.º aniversário do 25 de Abril, decidiu reeditar uma sua antologia intituladaPorque Sou Monárquico, com base na recolha preparada por Vasco Rosa (que também organizou para a Real Associação de Lisboa a antologiaA Liberdade Portuguesa, de Henrique Barrilaro Ruas, também ele deputado constituinte de boa memória para muitos), cujo lançamento se realizará — simbolicamente — no próximo dia 23, terça-feira, pelas 18:30, no Auditório Almeida Santos do Parlamento português, ou palácio de São Bento. A nova edição, com um texto inédito, estará disponível para venda no local e também aqui.
Com mais esta homenagem ao saudoso arquitecto paisagista, ecologista e político, pretende-se realçar o papel dos monárquicos na transição do Estado Novo para a Democracia. Aqui deixo o desafio aos leitoresa participar neste importante evento, que contará com a honrosa presença dos Duques de Bragança e com a participação especial de Augusto Ferreira do Amaral, co-fundador do PPM, João Barroso Soares, que com o homenageado conviveu durante os seus mandatos na CML, e do historiador José Miguel Sardica, profundo conhecedor da história do século XX, área de investigação em que há muito se vem afirmando. A conferência promete.
A democracia e a liberdade são o território natural dos monárquicos portugueses. Importa não esquecê-lo — ou, como agora se diz, cancelá-lo.
Nunca como nestes últimos dias da Semana Santa, que favorecem o recolhimento em memória da paixão, morte e ressurreição de Jesus, tinha intuído tão clara e profundamente a oposição entre "Realismo" e "Subjectivismo".
Este último conceito refere-se à percepção do sujeito no confronto com os factos que testemunha, uma visão precária e condicionada à sua psicologia, à sua sensibilidade no momento, e inteligência. Já o conceito de "realidade" tem a ver com outra perspectiva, aquela que reflecte o Real, apenas acessível a Deus, que a todos nos interpela e perscruta.
É importante perceber isso, nestes dias em que se celebra a vitória da Vida sobre a morte, em que os cristãos são convidados a perceber o Mundo, a realidade, de forma vanguardista: de que esta apenas mudará, mesmo que ligeiramente, através da mudança interior de cada um, nesse local a que os antigos chamavam “coração”, onde as emoções se reflectem e se fazem sentir no seu digladiar. Parece-me importante meditarmos nisto nestes dias tumultuosos, em que a conflitualidade e a ruptura são acenadas como virtudes em detrimento dos consensos, na aceitação de que a mudança na realidade só se opera pelo empenho de cada um na sua vida, no seu meio. A insatisfação e o inconformismo, deveriam ser motores de empreendedorismo, doação e criatividade, e não de contendas, ódios e intrigas insanáveis, onde o feio prevalece sobre o belo, e o mal se confunde com o bem.
Não é só a mundanidade e o consumismo da grande cidade inquieta e materialista que reduz os cristãos nos dias de hoje à quase irrelevância. Como é que nos distinguimos na sociedade, no trabalho, na política, na família, e até na Igreja, submergidos numa berraria inestética, a dividir, a fracturar de faca nos dentes, dispostos a mudar um mundo teimosamente inamovível na sua corrupção e precaridade – feito de pessoas?
Realidade, Real, Realismo, Realeza… Voltando ao início, a “realidade”, tida como tudo o que existe, apenas acessível a Deus, é um conceito que em termos terrenos somente uma instituição política pretende interpretar: o Rei. É também por esta ordem de razões que sou monárquico. Somente do Rei se espera a autoridade (no seu duplo sentido de autor e de encarnação do poder legítimo), a exemplaridade e a representação colectiva assente na dignidade e no cumprimento do dever. É o Rei que, ainda nos nossos dias, encabeça com sucesso o mais aprimorado sistema político, democrático e conflitual, que ambiciona a interpretação da soma dos múltiplos desejos das pessoas. Rei na medida em que for o primeiro servidor dos seus súbditos, o garante das suas antigas liberdades e a pré-condição de continuidade que não inibe a mudança, mas a enquadra no contexto longo da história partilhada.
Mas esse regime só é possível numa sociedade estável, com mínimos de urbanidade, estabilidade e consensos. Avessa a rupturas e revoluções.
A Real Associação de Lisboa é uma estrutura regional integrante da Causa Real, o movimento monárquico de âmbito nacional. Esta é uma associação que visa a divulgação, promoção e defesa da monarquia e da Instituição Real corporizada na Coroa Portuguesa, cujos direitos dinásticos estão na pessoa do Senhor Dom Duarte, Duque de Bragança e em quem legitimamente lhe vier a suceder. Cabe a esta associação a prossecução de iniciativas e de projectos de interesse cultural, social, assistencial e de solidariedade que visem a dignificação, a valorização e o desenvolvimento dos seus associados e da comunidade em que se insere.